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La Cage Dorée (2013)
Realização: Ruben Alves
Argumento: Ruben Alves, Hugo Gélin, Jean-Andre Yerles
Elenco: Rita Blanco, Joaquim de Almeida, Roland Giraud, Chantal Lauby, Barbara Cabrita, Lannick Gautry, Maria Vieira, Jacqueline Corado, Jean-Pierre Martins, Alex Alves Pereira
Qualidade da banha:
Êxito surpresa em França e a caminho de se tornar o filme mais visto em Portugal este ano, A Gaiola Dourada deve o seu sucesso ao olhar simpático que dirige à comunidade portuguesa por terras gaulesas (e que, de certa maneira, reflete a maior parte da diáspora portuguesa) ao seguir as peripécias de uma série de personagens que, mesmo com as suas peculiaridades, nunca soam como meros artifícios para provocar o riso. É a doçura com que Ruben Alves encara aquele universo que faz com que a narrativa ressoe junto do espectador e torne a película numa agradável experiência.
Escrito pelo próprio realizador ao lado de dois colaboradores, A Gaiola Dourada foca-se em Maria (Blanco) e José (Almeida), um casal de portugueses emigrados em França há mais de três décadas. Ela trabalha como porteira num condomínio de uma bairro de Paris e ele trabalha como construtor civil e ambos são vistos pelos patrões e pela família como pessoas trabalhadoras e humildes. Quando recebem a notícia que José herdou uma quinta no Douro, o casal vê o sonho de regressar a Portugal e viver uma vida desafogada mais perto da realidade. No entanto, a decisão deles encontrará vários obstáculos: a irmã de Maria pretende abrir um negócio com ela, a filha do casal começou a namorar com o filho do patrão de José e ninguém no condomínio quer perder os seus valiosos zeladores.
Com uma galeria de personagens que abraçam todos os estereótipos atribuídos aos emigrantes, A Gaiola Dourada não permite que estes clichés os definam por inteiro: o filme até transmite a ideia de que são os próprios visados que fomentam esta ideia (os jogos de cartas, o Fado, o futebol, o bacalhau, o jogo da malha), mas não permite que estes resvalem para a caricatura, usando-os a favor da história ao evitar que estes se tornem o centro absoluto da narrativa. Da mesma forma, Ruben Alves delineia os traços gerais das personagens com imensa economia: quando a herança lhes cai do céu, José e Maria mal perdem tempo a idealizar um regresso a Portugal e imediatamente começam a pensar nas implicações que a saída de Paris traria aos demais – o que demonstra o pragmatismo do casal. Ao mesmo tempo, quando José e Maria recebem os compadres num divertido jantar que indica a perceção equivocada de ambas as famílias, José mal consegue disfarçar o desconforto por receber o chefe de trinta anos em sua casa – o que, mais uma vez, dá a entender toda uma vida dedicada à condição de subalterno sem praticamente mostrar nada (neste ponto não posso deixar de referir o hilariante momento em que Solange decide consultar a Wikipedia para se preparar para o referido jantar com a família portuguesa, o que revela o caráter sem noção da sujeita – como se ler um website substituísse a aprendizagem de uma cultura nacional).
O elenco do filme é certeiro e injeta imenso coração na história: Rita Blanco, a mais completa das atrizes nacionais, retrata todo o carinho de uma mulher devotada ao trabalho e à família ao mesmo tempo que deixa transparecer uma certa confusão despoletada pela situação; Joaquim de Almeida surge à vontade no papel de pai de família modesto e orgulhoso; Chantal Lauby rouba todas as cenas em que aparece como a despassarada Solange e o resto do elenco composto por franceses e luso-descendentes faz um bom trabalho ao tornar aquela galeria de indivíduos cativantes e minimamente interessantes. Enquanto isso, o design de produção faz um trabalho discreto mas competente: reparem como a casa dos Ribeiro está desprovida de grandes luxos ou espaços amplos como as demais do prédio, mas evoca uma familiaridade e um calor humano mais do que apropriado àquela família – sem esquecer as janelas que estão protegidas com uma grade exterior, o que faz um belo e curioso reflexo do título do filme.
No entanto, nem tudo são rosas: a simplicidade da história acaba por jogar em desfavor, já que esta se mostra sem grandes ambições – uma constatação que surge nalguns tópicos desaproveitados ou abandonados a meio como o facto de Pedro ter vergonha da sua ascendência portuguesa ou a discussão que Paula tem com os pais no tal jantar se encerrar com uma ação grave por parte de José que não gera grandes consequências. Além disso, o argumento investe numa zanga absurda entre Paula e o namorado que era resolvida com duas frases, mas que é usada para criar um conflito artificial que os separe e torne a reunir no fim da projeção. Nada disto se compara, porém, à gratuita e embaraçosa participação especial de Pauleta (sim, esse Pauleta!) que, com meros dois diálogos, prova que como ator é um excelente futebolista.
Relativamente curto e ágil nos seus pouco mais de 90 minutos, A Gaiola Dourada não é mais do que uma comédia de situação povoada por seres que provocam imediata empatia no público e que traça um retrato sensível e amigável sobre os emigrantes. Não é nenhuma obra-prima, mas isso também não lhe era pedido.