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00:30 A Hora Negra
Zero Dark Thirty (2012)
Realização: Kathryn Bigelow
Argumento: Mark Boal
Elenco: Jessica Chastain, Jason Clarke, Jennifer Ehle, Kyle Chandler, Édgar Ramírez, Harold Perrineau, Mark Strong, Joel Edgerton, James Gandolfini
Qualidade da banha:
O novo projeto de Kathryn Bigelow ao lado do argumentista Mark Boal (ambos galardoados com o Oscar por Estado de Guerra) estabelece-os de vez como uma dupla a ter em conta no panorama de Hollywood. Documentando os anos que uma unidade da CIA passou na caça de Osama bin Laden, 00:30 A Hora Negra poderia ser uma obra ufanista sobre a capacidade militar dos norte-americanos e a hipócrita postura de “cowboy do Mundo” que marcou a presidência de George W. Bush.
Poderia ser assim, mas não é: o que interessa a Bigelow não é tanto o objetivo em si (toda a gente sabe como o filme acaba) e sim o todo processo e as consequências em todos os envolvidos, principalmente na protagonista Maya (excelente Jessica Chastain) que com o tempo desenvolve uma obsessão em levar a missão até ao fim. Desta forma, 00:30 A Hora Negra desenvolve-se mais como um thriller de investigação e menos como um filme de ação frenética. Mas uma investigação minimamente plausível e nada cinematográfica: Maya e os seus colegas erram, duvidam, esperam por decisões, encontram becos sem saída e o caso sofre avanços e recuos. E, claro, sofrem baixas – tanto físicas como psicológicas.
O filme tem sido rodeado de polémica graças às suas cenas de tortura levadas a cabo por agentes da CIA – e mesmo que ele deixe bem claro que a mesma não levou a resultados eficazes, ainda há quem as veja como a exaltação de um método para obter informações valiosas esquecendo-se que a forma seca e direta com que Bigelow as encena não só respeita a dura realidade bem como permite que o espectador projete nelas a sua opinião pessoal. Sem mais delongas, está aqui o primeiro grande filme do ano.
Django Libertado
Django Unchained (2012)
Realização: Quentin Tarantino
Argumento: Quentin Tarantino
Elenco: Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington, Samuel L. Jackson, Walton Googins, James Remar, Don Johnson
Qualidade da banha:
Tarantino ama Cinema. Mais: ele ama o seu conhecimento sobre Cinema – e não hesita em demonstrá-lo a cada obra sua. Mas não estamos a falar daquele Cinema mais comercial, acessível e unânime: Tarantino é uma enciclopédia de géneros obscuros, esquecidos e malfadados e em Django Libertado ele reúne o western spaghetti com o blaxploitation típico dos anos 70 numa história de vingança (um tema caro ao realizador) situada em 1858 no sul dos Estados Unidos onde um escravo livre (Jamie Foxx) une-se a um caçador de recompensas alemão (Christoph Waltz, a provar que brilha mais nas mãos de Tarantino) no resgate da esposa do primeiro do cruel e carismático dono de uma plantação Calvin J. Candie (Leonardo DiCaprio, enérgico no papel do vilão ensandecido).
Repleto de elementos familiares da carreira do realizador, Django Libertado abusa de recursos narrativos clássicos dos seus filmes, como a quebra de linearidade, travellings que acompanham conversas ao redor de uma mesa, explosões súbitas de violência, intervenções narrativas abruptas e fartos diálogos que alongam as conversas. E não esquecer o humor negro característico comprovado pela cena em que um grupo de racistas (precedendo o Klu Klux Klan) planeia um ataque e o choque cultural proporcionado pelo alemão de Waltz e praticamente todos os brancos sulistas visto na projeção.
Sem ser tão envolvente como um Pulp Fiction ou um Kill Bill e arrastando-se mais do que deveria nas suas quase três horas de duração, Django Libertado é meramente estilo dos pés à cabeça – mas, bolas, que estilo!
Argo
Argo (2012)
Realização: Ben Affleck
Argumento: Chris Terrio
Elenco: Ben Affleck, Bryan Cranston, Alan Arkin, John Goodman, Tate Donovan, Clea DuVall, Christopher Denham, Scoot McNairy, Kerry Bishé, Rory Cochrane, Victor Garber, Kyle Chandler
Qualidade da banha:
Na linha da frente como vencedor do Melhor Filme nos Oscars deste ano, Argo confirma Ben Affleck como uma promessa cumprida atrás das câmaras. Abandonando a sua Boston natal (palco de Vista Pela Última Vez e de A Cidade), Affleck conta a história da produção fictícia de Hollywood que serviu de fachada para resgatar seis funcionários da CIA presos no Irão em 1979 – uma premissa tão absurda que até custa a acreditar que poderia acontecer. Mas aconteceu.
Esforçando-se para evitar uma postura pró-americanismo, o filme contextualiza o papel dos EUA no mapa político de Médio Oriente de então e acompanha com fluidez os esforços para alavancar a produção em Hollywood e o drama dos reféns em Teerão. É claro que a leveza e o humor presentes nas cenas em Los Angeles atenuam o peso dramático da situação asfixiante a milhares de quilómetros de distância, mas a segurança com que Affleck conduz a narrativa denota uma solidez e uma economia admiráveis, visto que o grande número de personagens é minimamente desenvolvido sem criar confusão no espectador.
No entanto, é quando a história salta exclusivamente para o Irão que Argo intensifica o drama e empilha cena tensa atrás de cena tensa – e, apesar da artificialidade de alguns obstáculos imprevistos no caminho da missão, a película já ofereceu tantos bons momentos que facilmente se perdoam os equívocos do seu cada vez mais promissor realizador. E que, espantosamente, não foi nomeado na sua categoria pela Academia e que poderia ocupar sem problemas a vaga do cada vez pior Steven Spielberg.
Lincoln
Lincoln (2012)
Realização: Steven Spielberg
Argumento: Tony Kushner
Elenco: Daniel Day-Lewis, Sally Field, Tommy Lee Jones, David Strathairn, Joseph Gordon-Levitt, James Spader, Hal Holbrook, Gulliver McGrath
Qualidade da banha:
Depois do fracassadoCavalo de Guerra, Steven Spielberg volta à carga com mais um filme feito à medida da temporada de prémios – e, inexplicavelmente, ‘Lincoln’ tem recebido uma calorosa receção por onde tem passado. Usando como ponto de partida a votação da 13ª. Emenda à Constituição norte-americana, que aboliria a escravatura, Spielberg retrata o famoso presidente dos EUA com tamanha reverência que se torna difícil para o espectador perceber quem era o homem por detrás do cargo ou, pior do que isso, ter uma noção distorcida dos factos que levaram à abolição.
O filme descreve o processo como um amontoado de subornos e pressões (o que é bom e confere um mínimo de complexidade à narrativa), mas ignora o papel de incontáveis outros indivíduos (entre eles muitos negros) que ajudaram a causa. Em vez disso, Lincoln é posto no centro da ação como agente praticamente isolado que tenta agregar aliados para os seus objetivos – e quando a personagem apela ao divino para justificar a sua missão, percebemos como Spielberg é maniqueísta ao ponto de pintar o presidente como digno de admiração irrestrita. Ou seja, uma quase santo.
Isto é uma pena porque Daniel Day-Lewis constrói mais uma espetacular interpretação que só é sabotada pelo próprio argumento que não resiste a recorrer ao assassinato do presidente só para arrancar mais umas lágrimas da plateia. Já Sally Field comete o pecado de uma atriz em busca de prémios e reconhecimento ao... mostrar que está em busca de prémios e reconhecimento ao abordar cada uma das suas cenas como se fosse o momento digno do selo "For Your Consideration", ao passo que Tommy Lee Jones defende bem o seu ferveroso e admirável Thaddeus Stevens que é tão mal tratado pela narrativa ao torna-lo num lacaio de Lincoln. Além disso, a narrativa não tem agilidade ao lidar com um enorme número de personagens e torna-se entediante do meio para a frente.
Tenho saudades do antigo Spielberg; o atual é o terror dos diabéticos.