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The Artist (2011)
Realização: Michel Hazanavicius
Argumento: Michel Hazanavicius
Elenco: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, Missi Pyle, Penelope Ann Miller
Qualidade da banha:
Homenagem sincera a uma maneira extinta de se fazer Cinema ou simples réplica dos filmes mudos dos anos 20, o certo é que O Artista é uma obra corajosa: apresentado em preto e branco, praticamente sem diálogos e sons diegéticos (orgânicos à narrativa) e com uma equipa relativamente desconhecida, até custa a acreditar que um dos filmes mais badalados da temporada reúna estas condições. O que outros poderiam encarar como limitações, o realizador Michel Hazanavicius usa-as a seu favor para criar uma experiência envolvente, nostálgica e única. Mais do que isso: um memorável esforço artístico.
George Valentin (Dujardin) é uma estrela cinematográfica que tem tudo: sucesso, fama, milhões de fãs, um motorista fiel (Cromwell), a confiança do estúdio, uma esposa mimada (Miller) e um cão que é o seu companheiro dentro e fora dos ecrãs (o adorável Uggie). Certo dia, Valentin cruza-se com a jovem e bela Peppy Miller (Bejo) que tenta a sua sorte em Hollywood e o ator, claramente fascinado por ela, acaba por lhe servir como rampa de lançamento. Pouco depois, o som revoluciona a indústria e Valentin vê a sua carreira desmoronar enquanto Peppy dispara rumo ao estrelato.
Obviamente inspirado por Assim Nasce Uma Estrela (a queda de um mito e a ascensão da sua "protegida") e pelo maravilhoso Serenata à Chuva (a transição do cinema mudo para o sonoro), O Artista incorpora vários elementos da época em questão: a proporção do ecrã é a chamada "janela clássica" (1.33:1); a evocativa banda sonora serve para pontuar a narrativa; as transições de cenas são feitas com recursos típicos da altura (fades, transição em íris, ...); vários close-ups das caras dos atores; a iluminação e a fotografia remetem para a Hollywood dos anos 20 com eficiência (embora o filme tenha sido gravado a cores). Mesmo os entretítulos usados para os diálogos são utilizados com inteligência para que apareçam o mínimo possível e informando apenas o essencial – cabe pois ao elenco a tarefa de transmitir tudo o que se passa no ecrã.
Tarefa esta aparentemente simples, mas acreditem que não é. Caracterizado por intérpretes que faziam "caretas", o cinema mudo valia-se do exagero das expressões e dos movimentos digno do Teatro, visto que esta era a única forma de comunicar emoções à plateia. Hazanavicius inicia O Artista com a apresentação do filme mais recente de Valentin, numa boa opção que prepara o espectador para o que virá a seguir, mas o realizador também percebe que o público atual está condicionado por décadas e décadas de Cinema onde o excesso de outrora já não tem lugar – e como a história acompanha as personagens "fora dos ecrãs", as suas composições não podem cair neste erro, o que sem o auxílio do som e com poucos diálogos, não é nada fácil.
Desta forma, a linguagem corporal dos atores assume um papel fulcral que, mal trabalhada, arruinaria tudo. Felizmente, Jean Dujardin e Bérénice Bejo exibem uma química exemplar e fazem um par notável. Ele capta a aura que rodeava os galãs da época, bem como o carisma e a canastrice de um Rudolph Valentino, mas também comove com a sua decadência e conquista a nossa admiração pelo seu espírito lutador, além de ter um timing cómico impecável. A atriz, por outro lado, faz um autêntico milagre: linda e graciosa, Peppy rapidamente desperta a nossa atenção e torcemos pelo seu sucesso – e ainda que pudesse tornar-se numa pessoa egoísta e detestável devido a fama recém-conquistada (ela refere-se a romances pontuais como "brinquedos"), ela mostra uma genuína preocupação em não renegar as suas origens e em quem a inspirou.
Mas é Hazanavicius que, em última instância, é o responsável máximo por fazer todos estes elementos funcionarem na perfeição e que, à parte da previsível história amorosa de ascensão e queda, vai ao baú do Cinema para nos relembrar de uma lição vastas vezes esquecida: não adiantam elaborados e dispendiosos recursos à disposição se o espectador não for capaz de se comprometer emocionalmente com o que se passa no ecrã. Mesmo que a história seja apresentada a preto e branco, sem som e com desconhecidos. Pormenores técnicos, dirão alguns, mas O Artista funciona magistralmente por que estes trabalham em conjunto para um objetivo comum: divertir o público.
Não é para isto que serve a Sétima Arte, afinal?