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Oscars 2016 - previsões

por Antero, em 27.02.16

oscar2016

 

A minha ordem de preferência para Melhor Filme:

Mad Max: Estrada da Fúria

Quarto

O Caso Spotlight

A Queda de Wall Street

Brooklyn

Perdido em Marte

The Revenant - O Renascido

A Ponte dos Espiões

 

Desde que a categoria de Melhor Filme foi alargada em 2009, acho que é a primeira vez que consegui ver todos os nomeados bem antes da cerimónia. E mais: vi-os todos no cinema. E, ao contrário de outros anos, é uma boa colheita: mesmo o "pior" deles (A Ponte dos Espiões) é um bom filme - e isto diz muito. Também ao contrário de outras edições, as categorias de Filme e Realizador não contam com um ou dois favoritos claros, já que os prémios dos Sindicatos dividiram o mal pelas aldeias. Mas isto é o Oscar e trata-se de uma eleição, logo ganha aquele com melhor campanha. E só uma obra desta lista arrebataria de caras o Oscar de Melhor Campanha - daí que não possa afirmar que será um tiro no escuro, mas espero estar enganado.

 

Mais interessante que os prémios, é saber como Chris Rock se comportará diante das polémicas de discriminação racial que explodiram nesta edição (e já foi tarde). Se Rock tivesse abdicado de apresentar em protesto, ganharia o meu respeito. Como decidiu avançar, espero que pegue no touro pelos cornos e arrebente com a noite da mesma forma que Mad Max vai arrebentar nas categorias técnicas.

 

Chega de conversa e vamos lá às apostas!

 

MELHOR FILME

Vai ganhar: The Revenant - O Renascido. Porque é o mais falado, promovido e premiado até aqui.

Devia ganhar: Mad Max (opinião pessoal) ou Spotlight ou A Queda de Wall Street. Porque são melhores do que ver duas horas e meia de DiCaprio a passar as passas do Algarve enquanto berra, rasteja e sofre rodeado de norte-americanos sujos e uma xaropada espiritual índia com paisagens de tirar o fôlego.

 

MELHOR REALIZAÇÃO

Vai ganhar: Alejandro G. Iñarritu (The Revenant) que juntar-se-á a John Ford e a Joseph L. Mankiewicz no seleto grupo de realizadores que receberam o prémio duas vezes seguidas.

Devia ganhar: George FUCKING Miller!

 

MELHOR ATOR

Vai ganhar: Leonardo DiCaprio (The Revenant). Ou vai ou racha!

Devia ganhar: DiCaprio, mas convenhamos que a campanha para a sua iminente vitória já enjoa.

 

MELHOR ATRIZ

Vai ganhar: Brie Larson (Quarto). É a absoluta favorita.

Devia ganhar: Tirando Jennifer Lawrence que só lá está por ser a queridinha de Hollywood (e digo isto como fã da atriz) e logo por um filme medíocre, o prémio ficaria bem entregue a qualquer uma das restantes.

 

MELHOR ATOR SECUNDÁRIO

Vai ganhar: Sylvester Stallone (Creed: O Legado de Rocky)

Devia ganhar: Stallone. É a narrativa perfeita: criou a personagem, foi nomeado há 40 anos, fez um sucesso tremendo apenas para cair no esquecimento, recuperando anos depois e voltando agora como secundário. E, escolhas de carreira tenebrosas, Stallone é um grande ator e um veterano da indústria. Vai ter a sala de pé a aplaudi-lo.

 

MELHOR ATRIZ SECUNDÁRIA

Vai ganhar: Jennifer Jason Leigh (Os Oito Odiados). É ela ou Alicia Vikander (A Rapariga Dinamarquesa) que nem secundária é no próprio filme, mas sim a protagonista. Mas aposto em Leigh até pelo injusto descaso reservado a Tarantino este ano.

Devia ganhar: Alicia Vikander, embora ela seja a protagonista e esteja na categoria errada e eu não me calarei com isto até ao fim dos meus dias!

 

MELHOR ARGUMENTO ORIGINAL

Vai ganhar: Spotlight

Devia ganhar: Divertida-Mente (uma vergonha não ter mais nomeações) ou Spotlight.

 

MELHOR ARGUMENTO ADAPTADO

Vai ganhar: A Queda de Wall Street

Devia ganhar: A Queda de Wall Street. Uma história complexa executada de forma elegante e tudo começa no argumento.

 

MELHOR FILME LÍNGUA NÃO-INGLESA

Vai ganhar: O Filho de Saul, da Hungria. É sobre o Holocausto. Preciso dizer mais alguma coisa?

Devia ganhar: Não vi nenhum dos nomeados.

 

MELHOR FILME DE ANIMAÇÃO

Vai ganhar: Divertida-Mente

Devia ganhar: Categoria fortíssima: só não vi Memórias de Marnie (estreia em abril) e todos os outros são muito, muito bons e mais uma prova que os Golden Globes não percebem nada disto. Mas estando lá a Pixar e ainda por cima com um filme encantador que ressuscitou a velha magia do estúdio (para a perder logo de seguida com A Viagem de Arlo), é óbvio que Divertida-Mente leva fácil. E também seria o meu voto.

 

MELHOR DIREÇÃO ARTÍSTICA

Vai ganhar: Mad Max

Devia ganhar: Mad Max

 

MELHOR FOTOGRAFIA

Vai ganhar: The Revenant

Devia ganhar: Mad Max

 

MELHOR MONTAGEM

Vai ganhar: Mad Max

Devia ganhar: Mad Max ou A Queda de Wall Street

 

MELHOR BANDA SONORA

Vai ganhar: Os Oito Odiados

Devia ganhar: Ennio Morricone, é agora!

 

MELHOR CANÇÃO ORIGINAL

Vai ganhar: '‘Til it Happens to You' (The Hunting Ground)

Devia ganhar: Desde que não ganhe aquela porcaria de tema de Spectre, estou por tudo (sim, até por As Cinquenta Sombras de Grey).

 

MELHOR GUARDA-ROUPA

Vai ganhar: Mad Max

Devia ganhar: Mad Max

 

MELHOR CARACTERIZAÇÃO

Vai ganhar: Mad Max

Devia ganhar: Vocês viram Mad Max?!?

 

MELHOR MISTURA DE SOM

Vai ganhar: Mad Max

Devia ganhar: Mad Max

 

MELHOR MONTAGEM DE SOM

Vai ganhar: Mad Max

Devia ganhar: Mad Max

 

MELHORES EFEITOS VISUAIS

Vai ganhar: Star Wars: O Despertar da Força. Embora haja o urso de The Revenant, mas...

Devia ganhar: Star Wars: O Despertar da Força ou Ex Machina

 

MELHOR DOCUMENTÁRIO

Vai ganhar: Amy. É o favorito por razões óbvias.

Devia ganhar: Não vi nenhum dos nomeados

 

MELHOR DOCUMENTÁRIO (curta-metragem)

Não vi nenhum dos nomeados

 

MELHOR CURTA-METRAGEM

Não vi nenhum dos nomeados

 

MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO

Vai ganhar: Bear Story

Devia ganhar: We Can't Live Without Cosmos

publicado às 13:15

Os melhores (e piores) filmes de 2015

por Antero, em 13.01.16

boyhood-2014

Estive mais de uma semana sem acesso à Internet o que levou ao atraso da já tradicional lista de melhores e os piores filmes estreados em Portugal em 2015, segundo a minha opinião (que não pretendo impingir a ninguém nem tão pouco servir como ataque pessoal. Se havia outros que podiam ter lugar aqui? Claro. Mas se calhar não os vi ou não os achei merecedores. Entendido?).

 

1

Divertida-Mente

Inside Out

É mais do que um bem-vindo regresso da Pixar à boa forma (que novamente derraparia com A Viagem de Arlo). É também um dos mais imaginativos filmes de que há memória, brilhantemente animado, profundamente comovente e adulto na maneira como aborda e discute tópicos como a depressão e as dores de crescimento. Nos tempos em que a omnipresença da publicidade e das redes sociais vende a ideia do "ser feliz a toda a hora", ter um filme voltado para a família que defende a necessidade de, por vezes, abraçar a melancolia e de que o nosso bem-estar depende da harmonia entre os bons e os maus momentos, é simplesmente mágico. Não admira que o final, simples e complexo na mesma medida, deixou-me à beira de uma crise de choro. Não se deixem deslumbrar pelas cores vibrantes e formas catitas: Inside Out é uma obra-prima e encantará gerações de pais e filhos.

 

2

Mad Max: Estrada da Fúria

Mad Max: Fury Road

Delirante, frenético e absolutamente revigorante, o regresso de George Miller (que merece todos os prémios de Realização) ao universo desolador de Mad Max é um daqueles acontecimentos únicos e feitos para serem vividos no grande ecrã. "Do genial George Miller", anunciavam os trailers e, por uma vez, eles estavam certíssimos. Uma injeção de adrenalina capaz de revolucionar o blockbuster moderno.

 

3

Whiplash - Nos Limites

Whiplash

Intenso e visceral tributo ao sacrifício pela Arte (ao mesmo tempo que condena abusos feitos em prol da mesma), vale principalmente pelas fabulosas interpretações de Miles Teller e J.K. Simmons. A sequência final é de tirar o fôlego.

 

4

Um Ano Muito Violento

A Most Violent Year

Lento, mas sempre fascinante e com uma atmosfera opressora, é mais um acerto na curta e já impressionante carreira de J.C. Chandor e que emula o estilo do melhor Sidney Lumet. E Oscar Isaac reflete na perfeição a trajetória de Al Pacino em O Padrinho. Filmaço!

 

5

Ex Machina

Ex Machina

Inclina-se mais para ideias e menos para a pirotécnica visual (embora tenha efeitos visuais espetaculares), trata-se de uma envolvente, complexa e ambiciosa ficção científica. E olho na revelação Alicia Vikander!

 

6

Sicario - Infiltrado

Sicario

Emily Blunt e Benicio Del Toro raramente estiveram tão bem, a introdução é de arrepiar a espinha, toda a sequência inicial no México é digna de aplausos e o desfecho é de um cinismo cortante. Agarra o espectador pelos colarinhos e submete-o a uma brutalidade sem concessões no cenário que pinta do narcotráfico.

 

7

Vai Seguir-te

It Follows

Pura homenagem a John Carpenter, é um inteligente e original filme de terror que genuinamente assusta. Meditação sobre a inevitabilidade da morte, o fim da adolescência e doenças sexualmente transmissíveis, traz um fabuloso trabalho de câmara de David Robert Mitchell.

 

8

A Ovelha Choné - O Filme

Shaun the Sheep Movie

Encantador, inocente e, por vezes, genial tanto na comédia (o filme praticamente não tem diálogos) como na técnica do stop-motion, é mais um acerto dos estúdios Aardman que volta a deixar a milhas estúdios com recursos mais abonados.

 

9

The Walk - O Desafio

The Walk

Carta de amor de um artista (Robert Zemeckis) para outro (Philippe Petit, o homem que caminhou entre as defuntas Torres Gémeas), só pelo efeito das cenas no topo do World Trade Center já vale a experiência. É para obras assim que existe o grande ecrã.

 

10

Star Wars: O Despertar da Força

Star Wars: The Force Awakens

O evento do ano (ou melhor, da década) conseguiu atender às enormes expectativas criadas por meses de antecipação. Divertido, emocionante e com uma energia impressionante, é tudo o que uma aventura deve ser. Que traga caras novas que facilmente ganham a nossa afeição ao lado de velhos e saudosos conhecidos, é somente a cereja em cima do bolo.


Outros destaques de 2015, por ordem alfabética:

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

Citizenfour

Crimson Peak: A Colina Vermelha

Descarrilada

Força Maior

Foxcatcher

A Idade de Adaline

Kingsman: Serviços Secretos

Mar Negro

Missão Impossível: Nação Secreta

Paddington

Perdido em Marte

Praia do Futuro

Predestinado

Que Horas Ela Volta?

Selma – A Marcha da Liberdade

Spy

Steve Jobs

Tomorrowland: Terra do Amanhã

Um Presente do Passado

 

 

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-10

Insurgente

Insurgent

As adaptações de histórias direcionadas para o público juvenil em que um jovem escolhido luta contra a opressão de uma sociedade distópica já começam a misturar-se nas minhas memórias. Todas elas querem ser o novo Harry Potter (salva-se The Hunger Games) e todas elas já chateiam. O mal nem é tanto do filme em si, mas do género -- mas não há como negar que Insurgente é insosso, aborrecido, recheado de clichés e fatalmente desinteressante.

 

-9

Taken 3

Taken 3

Apesar dos pesares, ver Liam Neeson como veterana estrela de ação foi uma agradável surpresa, apesar de estar muito mal servido. Agora, no meio do barulho e do caos proporcionado pelos tiros, pelas explosões e pelo argumento, quase dá para ouvir Neeson a suplicar pela reforma antecipada.

 

-8

Chappie

Chappie

No início, havia Distrito 9 e tudo era belo. Depois veio Elysium. Agora temos Chappie e Neill Blomkamp caminha a passos largos para se tornar num mágico-de-um-truque-só. Sem um pingo de originalidade, é um mistura indigesta de Transformers, Robocop, ET, Terminator e muitos mais e que em vez de discutir as suas (poucas) boas ideias, prefere atirar-se a perseguições e tiroteios. E Chappie, o robot, é irritante que dói!

 

-7

Exterminador: Genisys

Terminator Genisys

Mais um prego numa franquia outrora estimável, Genisys quer ser o Batman Begins ou o Star Trek da série Terminator, mas espalha-se ao comprido com uma história com mais buracos que a Nacional 109 e fraquíssimas sequências de ação. Serve para atestar (ainda mais) o mérito de James Cameron nos dois primeiros filmes -- que, mesmo assim, devia estar bem bebido quando elogiou esta porcaria.

 

-6

O Excêntrico Mortdecai

Mortdecai

Bizarro e sem graça, vale pela experiência de acompanhar uma super-estrela (Johnny Depp) a fazer de tudo para desgraçar ainda mais a sua carreira recente.

 

-5

Quarteto Fantástico

Fantastic Four

Desnecessariamente soturno, confuso, com um elenco dolorosamente perdido em cena e péssimos efeitos especiais, Quarteto Fantástico é um poço de nostalgia em que os filmes de super-heróis eram alvo de pena e chacota.

 

-4

Pixels

Pixels

Até tinha algum potencial, mas como é produzido por Adam Sandler e traz a trupe da hedionda Happy Madison, estava mais que visto que viria parar a esta lista.

 

-3

As Cinquenta Sombras de Grey

Fifty Shades of Grey

Chegou cheio de falatório, mas nem para ejaculação precoce serviu. Uma xaropada armada ao pingarelho, tão inofensiva e didática como aqueles softcore dos canais do cabo. No fundo, uma espécie de Twilight para pessoas que se acham adultas. Faz pelas mulheres que mordiscam o lábio o mesmo que Tubarão fez pelas praias.

 

-2

O Pátio das Cantigas

O Pátio das Cantigas

Leonel Vieira, o maior embuste do cinema português, pega num “clássico” (com as aspas gigantescas) e dá-lhe uma roupagem moderna que tresanda a mofo e a filme de vão de escada, sem ponta por onde se lhe pegue, com um elenco a passar vexame, cheio de ofensivo product placement e cujo resultado final é um doutoramento em vergonha alheia. Tão mau que esvaziou toda a curiosidade (se é que existia) em ver O Leão da Estrela.

 

-1

Deus Não Está Morto

God's Not Dead

Nem sabia que este lixo havia estreado em Portugal até pesquisar para este texto. Conseguindo a proeza de ser revoltante e risível ao mesmo tempo, esta propaganda evangélica de argumento míope mascarada de boas intenções é mal filmada, pessimamente editada e ainda pior interpretada. Até os telefilmes do Lifetime são mais dignos -- e se não sabem o que é um filme do Lifetime, mantenham-se ignorantes e felizes.

 

Outros destaques (pela negativa) de 2015, por ordem alfabética:

Antes de Adormecer

Ascensão de Júpiter

A Criança nº 44

O Estagiário

Home: A Minha Casa

Mínimos

A Mulher de Ouro

Outro/Eu

Perseguição Escaldante

San Andreas

O Segurança do Shopping – Las Vegas

Ted 2

The Ridiculous 6 (que só não está na lista - e bem destacado - porque é um produto do Netflix)

 

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Bom ano e bons filmes!

 

publicado às 22:29

Star Wars: O Despertar da Força

por Antero, em 17.12.15

Star Wars: The Force Awakens (2015)

Realização: J. J. Abrams

Argumento: Lawrence Kasdan, J. J. Abrams, Michael Arndt

Elenco: Daisy Ridley, John Boyega, Harrison Ford, Adam Driver, Oscar Isaac, Domhnall Gleeson, Carrie Fisher, Peter Mayhew, Lupita Nyong'o, Anthony Daniels, Gwendoline Christie, Max von Sydow, Mark Hamill

 

Qualidade da banha:

 

Star Wars: O Despertar da Força é uma gloriosa ode a um género (a space opera) e à saga que o popularizou. Vindo da fabulosa revitalização empregada em Star Trek (quanto a mim, os dignos sucessores - até agora - do legado de A Guerra das Estrelas), J. J. Abrams foi uma escolha mais do que certeira. É uma aventura com tudo no sítio: ação, drama, humor, tensão, novas e cativantes personagens, o regresso de velhos conhecidos e ótimos efeitos especiais, e lança eficientemente as bases para uma nova trilogia ao mesmo tempo que não se esquece de fazer a ponte dos episódios IV, V e VI para o século XXI. Não é só o Star Wars que esperamos; é aquele que merecemos.

 

(A partir daqui, este artigo discutirá detalhes da história de O Despertar da Força, embora nada de muito importante. Contudo, fica o aviso para aqueles que ainda não viram o filme e que pretendem preservar a experiência ao máximo. Fiquem com o primeiro parágrafo e depois voltem para o resto.)

 

Situado 30 anos após os eventos de O Regresso de Jedi, este Episódio VII traz um novo grupo - a Primeira Ordem - que faz a sucessão do Império de Palpatine e Darth Vader. A oposição continua a ser travada pela Resistência (agora abertamente suportada pela República) e é neste contexto que um mapa que revela a localização do desaparecido Luke Skywalker (Hamill) é cobiçado pelos dois lados de maneira a que o último representante dos Jedis possa se juntar à luta ou seja eliminado de vez. Assim, o piloto Poe Cameron (Isaac) é enviado para recuperar o mapa, numa aventura a que se juntarão Finn (Boyega), um stormtrooper arrependido, Rey (Ridley), uma sucateira do planeta Jakku, e BB-8, um dróide tão simpático que nos faz esquecer que foi criado primariamente para vender bonecada.

 

Afastando-se do tom computorizado estabelecido por George Lucas nas prequelas, O Despertar da Força recorre extensivamente a efeitos práticos para aproximar a atmosfera da primeira trilogia e usa o CGI com inteligência: ver, por exemplo, escombros de naves imperiais na paisagem da Jakku é algo que dá peso e relevância a eventos anteriores de maneira económica. Enquanto isso, Abrams homenageia Uma Nova Esperança de várias formas (Jakku é basicamente Tatooine, o mapa escondido no BB-8 remete à mensagem de Leia guardada no R2-D2, Kylo Ren é o novo Darth Vader) sem deixar de lhe dar um toque mais fresco - e a irreverência mostrada na primeira aparição da Millennium Falcon levou-me a soltar um imenso "ah-ha!" durante a sessão. O bom humor, aliás, é algo que se faz presente no filme inteiro em tiradas diretas e rápidas que não o deixam descambar num festival de piadinhas tão comum hoje em dia (sim, Marvel Studios, estou a olhar para ti).

 

Mas se há algo que fará o Episódio VII preencher o coração de qualquer fã (e não só) é a energia impressionante da primeira metade. Os acontecimentos sucedem-se a uma velocidade vertiginosa, as sequências de ação são primorosas e bem conduzidas por Abrams (com a perseguição da Falcon à cabeça) e até os duelos de sabres de luz, que perigavam cair na mesmice, são empolgantes graças à abordagem mais "realista" e que evita elaboradas coreografias (até porque a maioria das personagens que os manuseiam não são treinados na arte). É uma pena, portanto, que a segunda hora não consiga acompanhar a pulsante vitalidade evidenciada até aí já que, chegado o momento das explicações, estas não estão à altura da brilhante construção que levam até elas e o excesso de exposição torna-se flagrante (tanta coisa com o mapa e ele nem tem justificação para existir). Além disso, as homenagens orgânicas ao restante da saga ganham proporções gigantescas ao ponto de O Despertar da Força assemelhar-se, a certa altura, a uma preguiçosa refilmagem de Uma Nova Esperança. Outro problema é ver Star Wars a aderir à enjoativa mania de deixar imensas pontas soltas para capítulos vindouros sacrificando a unidade e coesão de cada filme. Até O Império Contra-Ataca, mesmo com o seu final em aberto, tinha um desfecho com maior sentido de encerramento, como algo acabado - o que não acontece aqui.

 

Isto, porém, são gotas num mar de acertos. As novas adições pegam de estaca e cativam o espectador: Rey é uma mulher forte e decidida que não precisa de ninguém que a ampare, Finn desperta a nossa simpatia pelo seu lado mais vulnerável e Poe, mesmo aparecendo menos, surpreende pelo seu estoicismo. Os atores que dão vida a este novo núcleo central têm carisma e talento para dar e vender e são secundados por um elenco de veteranos mais do que acostumados a estas andanças - e Harrison Ford é encarregue da tarefa de fazer a passagem de testemunho da velha para a nova geração. Já o vilão Kylo Ren (Driver) não chega aos pés de Darth Vader, mas isso não é problemático: é uma agradável surpresa vê-lo como um indivíduo conflituoso e temperamental, numa dinâmica inversa daquela vista inicialmente no Sith com a respiração mais conhecida da galáxia (não dá para adiantar mais do que isto).

 

Recheado de nostalgia e de ação, O Despertar da Força atende às enormes expectativas criadas nos últimos meses, injeta nova vida em Star Wars e é um belo conforto para todos aqueles que ficaram desagradados com as prequelas. Para todos os outros mortais que gostam de uma empolgante aventura, é simplesmente obrigatório.


Apontamentos soltos:

  • Senti falta da fanfarra da 20th Century Fox, mas fiquei surpreendido com a ausência da logomarca da Disney.
  • A música de John Williams ganha vida quando trabalha com temas antigos. De resto, é mais do mesmo numa carreira a pedir reforma.
  • Vi o filme em IMAX 3D e achei perfeitamente dispensável (ao contrário de The Walk - O Desafio). A versão 2D chega e sobra para o efeito e é bem mais barata.
  • A introdução de Star Wars continua a ser a coisa mais épica alguma vez filmada.

 

publicado às 19:22

Mundo Jurássico

por Antero, em 11.06.15

Jurassic World (2015)

Realização: Colin Trevorrow

Argumento: Rick Jaffa, Amanda Silver, Derek Connolly, Colin Trevorrow

Elenco: Chris Pratt, Bryce Dallas Howard, Vincent D'Onofrio, Ty Simpkins, Nick Robinson, Omar Sy, B. D. Wong, Irrfan Khan, Jake Johnson

 

Qualidade da banha:

 

Não sou particularmente fã de Parque Jurássico. Lançado em 1993 e tornando-se instantaneamente febre mundial, esse filme mostrava os primeiros sinais do Spielberg higienizado e politicamente correto (aquele que viria a substituir armas por walkie-talkies no relançamento de ET - O Extraterrestre) que marcaria a sua carreira posterior. Numa história que requeria sangue e terror puro, o máximo que tínhamos era um par de cenas tensas e bem construídas rodeadas por banalidade. Havia, no entanto, algo que no início da era do CGI era inegável: um sentido de maravilhamento com as novas potencialidades técnicas no Cinema - e não é de todo impossível imaginar que o público da época tenha aberto a boca de espanto tal como as personagens do filme ao depararem-se com dinossauros que pensavam extintos. Depois vieram os fraquíssimos O Mundo Perdido e Parque Jurássico III e parecia que a franquia é que estava condenada à extinção.

 

Mas isto é Hollywood e em Hollywood nada permanece morto muito tempo. Vai daí e chega agora Mundo Jurássico com o objetivo de... lucrar imenso dinheiro já que não há outra razão de ser para esta sequela. Vinte e dois anos depois, porém, o CGI é rei e senhor e não há muito mais por onde nos deslumbrarmos (a não ser que apareça um Alfonso Cuarón ou um James Cameron) e os dinossauros apresentados por Spielberg assemelham-se a relíquias do passado - algo que o argumento escrito a quatro mãos (sempre um péssimo sinal) faz questão de abordar ao trazer os donos do novíssimo Mundo Jurássico a investir em novas formas de manter o público interessado. Uma dessas invenções é um hibrído chamado Indominus Rex que é mantido em cativeiro como a próxima grande atração. Óbvio que as coisas correm mal e não passa muito tempo para um bicho enorme andar à solta (e nota-se perfeitamente que a criatura é um híbrido dos seus dino-primos já que partilham do mesmo apetite seletivo ao abocanhar somente vilões e personagens descartáveis).

 

Mal conseguindo disfarçar como são preguiçosos, os argumentistas reciclam ideias do original com a desculpa de estar a prestar uma "homenagem" - e se ver a recriação de cenas icónicas como os majestosos dinossauros a caminhar ao lado de turistas é uma tirada interessante, perceber que temos novamente dois miúdos perdidos no meio do parque e executivos e/ou militares sem escrúpulos a tomarem as piores decisões possíveis tresanda a batido. Pior, contudo, é ver Mundo Jurássico a incluir clichés que já eram velhos no período cetáceo como o casal que discute a toda a hora, mas se ama, ou dos irmãos que também passam a vida a discutir, mas (vejam só!) também se amam. Isto seria algo desculpável se a química entre Chris Pratt e Bryce Dallas Howard fosse... ia escrever bombástica, mas fico-me pelo existente; ou se os atores que interpretam os jovens irmãos fossem minimamente carismáticos.

 

Ocasionalmente divertido e felizmente nunca entediante, Mundo Jurássico é ágil o suficiente para não nos deixar a pensar muito nas suas (gigantescas) falhas. A sua função é unicamente entreter e consegue-o por duas horas sem muito esforço - e é exatamente isto que se espera dele. E, confesso, não há como resistir a uma película que tem um momento tão idiota como aquele em que um dinossauro acena com a cabeça para Chris Pratt. Ainda assim, este comportamento é mais verosímil que ver Bryce Dallas Howard em correrias loucas por metade do filme em saltos altos. Se está visto que financiar parques com dinossauros só resulta em desgraça, talvez alguém se lembre de patentear aqueles sapatos.

publicado às 20:08

Oscars 2015 - previsões

por Antero, em 22.02.15

oscar2015

 

A minha ordem de preferência para Melhor Filme:

Boyhood - Momentos de Uma Vida

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

Whiplash - Nos Limites

Grand Budapest Hotel

Selma

Sniper Americano

A Teoria de Tudo

O Jogo da Imitação

 

MELHOR FILME

Vai ganhar: Boyhood

Devia ganhar: Birdman tem papado tudo o que é prémio e é o grande rival do filme de Linklater. No entanto, eu acredito que a Academia vai premiar o esforço de 12 anos, até porque Boyhood é menos experimental e mais humanista e sensível. E, quanto a mim, melhor filme também.

 

MELHOR REALIZAÇÃO

Vai ganhar: Richard Linklater (Boyhood).

Devia ganhar: O hábito recente de dividir os prémios principais não deverá acontecer hoje devido principalmente a um infeliz acaso: depois de Alfonso Cuáron, não me parece que a Academia dê o Oscar a um mexicano dois anos seguidos. Além disso, Linklater é querido pela indústria e esteve doze anos neste projeto.

 

MELHOR ATOR

Vai ganhar: Eddie Redmayne (A Teoria de Tudo)

Devia ganhar: A disputa é entre Redmayne e Michael Keaton (meu favorito), mas a Academia ama interpretações que requerem transformações físicas e a verdade é que a Redmayne eleva-se acima do mediano filme que o rodeia.

 

MELHOR ATRIZ

Vai ganhar: Julianne Moore (O Meu Nome É Alice)

Devia ganhar: Não há grande discussão aqui: mesmo sem ver o filme, o favoritismo de Moore sente-se a quilómetros. Numa categoria a que só torço o nariz a Felicity Jones, não ficaria desagradado se Rosamund Pike ou mesmo Reese Witherspoon vencessem.

 

MELHOR ATOR SECUNDÁRIO

Vai ganhar: J. K. Simmons (Whiplash)

Devia ganhar: Vocês viram Whiplash?!?

 

MELHOR ATRIZ SECUNDÁRIA

Vai ganhar: Patricia Arquette (Boyhood)

Devia ganhar: Sem perceber o que fazem Emma Stone e Keira Knightley ali (embora adore as duas atrizes), o meu prémio iria para Arquette ou Laura Dern.

 

MELHOR ARGUMENTO ORIGINAL

Vai ganhar: Grand Budapest Hotel. Para compensar a tareia que vai levar nas outras categorias principais.

Devia ganhar: Provavelmente a categoria mais bem servida da cerimónia já que a qualquer um ficaria bem entregue o prémio, embora eu adorasse que Nightcrawler - Repórter na Noite levasse alguma coisa para casa.

 

MELHOR ARGUMENTO ADAPTADO

Vai ganhar: A Teoria de Tudo

Devia ganhar: Aqui admito que é um tiro no escuro já que estou completamente às cegas: A Teoria de Tudo e O Jogo da Imitação são convencionais como a Academia gosta, Sniper Americano é o sucesso do momento e Whiplash e Vício Intrínseco são menos comerciais e, normalmente, encontram aqui algum tipo de consagração. Por mim, ficaria com Whiplash.

 

MELHOR FILME LÍNGUA NÃO-INGLESA

Vai ganhar: Ida, da Polónia. É o favorito.

Devia ganhar: Não vi nenhum dos nomeados.

 

MELHOR FILME DE ANIMAÇÃO

Vai ganhar: Como Treinares o Teu Dragão 2

Devia ganhar: O Filme Lego. Ai não está nomeado? Errrr... então Big Hero 6.

 

MELHOR DIREÇÃO ARTÍSTICA

Vai ganhar: Grand Budapest Hotel

Devia ganhar: Grand Budapest Hotel

 

MELHOR FOTOGRAFIA

Vai ganhar: Birdman

Devia ganhar: Birdman

 

MELHOR MONTAGEM

Vai ganhar: Boyhood

Devia ganhar: Boyhood

 

MELHOR BANDA SONORA

Vai ganhar: A Teoria de Tudo

Devia ganhar: Grand Budapest Hotel

 

MELHOR CANÇÃO ORIGINAL

Vai ganhar: 'Glory' (Selma)

Devia ganhar: Não faço ideia.

 

MELHOR GUARDA-ROUPA

Vai ganhar: Grand Budapest Hotel

Devia ganhar: Grand Budapest Hotel

 

MELHOR CARACTERIZAÇÃO

Vai ganhar: Foxcatcher

Devia ganhar: Guardiões da Galáxia

 

MELHOR MISTURA DE SOM

Vai ganhar: Sniper Americano

Devia ganhar: Sniper Americano

 

MELHOR MONTAGEM DE SOM

Vai ganhar: Birdman

Devia ganhar: Birdman

 

MELHORES EFEITOS VISUAIS

Vai ganhar: Interstellar

Devia ganhar: Planeta dos Macacos: A Revolta

 

MELHOR DOCUMENTÁRIO

Não vi nenhum dos nomeados

 

MELHOR DOCUMENTÁRIO (curta-metragem)

Não vi nenhum dos nomeados

 

MELHOR CURTA-METRAGEM

Não vi nenhum dos nomeados

 

MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO

Vai ganhar: The Bigger Picture

Devia ganhar: The Bigger Picture

publicado às 14:00

As Cinquenta Sombras de Grey

por Antero, em 13.02.15

Fifty Shades of Grey (2015)

Realização: Sam Taylor-Johnson

Argumento: Kelly Marcel

Elenco: Dakota Johnson, Jamie Dornan, Jennifer Ehle, Eloise Mumford, Victor Rasuk, Luke Grimes, Marcia Gay Harden

 

Qualidade da banha:

 

Uma grande amiga minha passou-me, certa vez, uma cópia de As Cinquenta Sombras de Grey. Ninguém diria que se tratava desse livro já que ele vinha encapado em papel para, segundo ela, "não ser julgada pela sociedade ao ler em público". Achei piada, mas não consegui deixar de pensar que ela tinha a sua razão: numa sociedade que ainda trata tópicos sexuais como tabu ou com indignação, o simples ato de ler um livro poderia ser encarado como algo condenável. Agora que vi a adaptação cinematográfica, creio que quem deveria andar em público encapado em papel são os envolvidos nesta porcaria embalada por puro marketing e hype. Mesmo retirando as revoltantes questões morais da equação (já lá vamos), As Cinquenta Sombras de Grey é um filme muito, muito, mas mesmo muito mau.

 

Adaptado do best-seller de E.L. James que, por sua vez, originou-se como um fan fiction da saga Twilight (parem um minuto e reflitam sobre isto), a história começa com Anastasia Steele (Johnson), uma finalista universitária que, a pedido de uma amiga, vai entrevistar o jovem milionário Christian Grey (Dornan). Imediatamente atraída por ele e disparando frases de psicologia barata minutos depois de o conhecer, Anastasia vê-se cortejada por Grey e como não cair em tentação? Ele é rico, bonito, veste-se bem e tem gosto refinado. É também arrogante, possessivo e controlador - e quando não está ocupado a ser tudo isto, Christian mantém um "segredo": fetiche por práticas BDSM.

 

Este fetiche é provavelmente a razão do imenso sucesso do livro e simultaneamente um dos maiores problemas da narrativa: abordado como um desvio comportamental pecaminoso e que deve ser reprimido e não como uma expressão diferente dos impulsos sexuais de Christian, os jogos sexuais praticados pelo casal demonstram o conservadorismo da proposta de E.L. James que pinta o milionário como um individuo que tem de ser salvo da "perversidade" que o rodeia. E não deixa de ser estúpido e contraditório quando é o próprio Christian a pedir que a amada tenha uma "mente mais aberta" quando o filme onde se insere não a tem. Além do mais, é óbvio que Anastasia entrega-se aos abusos físicos e psicológicos de Christian para não o perder, já que a moça nunca parece tirar o mesmo prazer que ele das práticas BDSM - e sempre que ela hesita e se afasta, o rapaz oferece-lhe presentes caros, na mais pura lógica de prostituição gourmet, e persegue-a para todo o lado, embora o filme ache que ele é doente por ter fetiches e não pelo seu comportamento obsessivo.

 

Claro que Christian encontra a presa perfeita em Anastasia: com uma falta de amor próprio gritante e desconfortável até na presença da melhor amiga, a rapariga deslumbra-se e anula-se por ter tamanho bom partido atrás dela - e o facto de insistentemente morder os lábios é o pico de complexidade que a personagem alcança (eu espero sinceramente que aqueles lábios tenham recebido o devido cachet). Anastasia é tão boa onda, tão pura e virginal que mantém-se perdida de amores ao ouvir coisas como "És minha" e "Agora não vais fugir" sem fugir a sete pés que é o que faria qualquer mulher minimamente sensata. Daí que não seja surpresa vê-la no início com roupas feias que a tapam por completo (incluindo, duh!, uma blusa florida) e, mais tarde, com vestidos mais sensuais que revelam as suas curvas, pernas e decote num claro indício da mentalidade tacanha e perigosa de que a influência de Grey acaba por ser positiva.

 

Entretanto, As Cinquenta Sombras de Grey sabe o que faz e para quem faz: aos dez minutos de filme já vimos Anastasia enquadrada com um símbolo fálico (um arranha-céus), um lápis na boca, olhares apaixonados e 238 mordidas de lábio. Já as esperadíssimas cenas de sexo são de uma frustração atroz: há uns gemidos, enquadramentos estratégicos para que se veja alguma coisa, mas não muita coisa, há música romântica no fundo e demasiado glamour e pasteurização para uma situação de sexo extremo. Num mundo com Ninfomaníaca, Vergonha e A Vida de Adèle, As Cinquenta Sombras de Grey é tão inofensivo que podia, por comparação, passar na televisão nacional num domingo à tarde para toda a família.

 

Por outro lado, quando não inspira revolta ou irritação, o filme é somente entediante. Entregues a um cabrão e a uma sonsa que estão duas horas presos à tortuosa dinâmica de "quero-te/deixa-me/volta aqui/vai-te embora/não me abandones" digna de Stephenie Meyer, o espectador até pode encontrar algum conforto na comédia involuntária que quase explode no ecrã graças aos péssimos (e hilariantes) diálogos, à falta de carisma do elenco, ao desfecho que é um autêntico anticlímax (ups!) e, claro, à mordida de lábio que até tem direito a um grande (enorme!) plano.

 

Deprimente, contudo, é o facto desta fantasia sexual machista ter sido criada, adaptada ao cinema e realizada por três mulheres que incrivelmente não percebem que relegam o género feminino a algo que deve ser objetificado, controlado e humilhado em nome do "amor verdadeiro".

 

E pensar que ainda há mais dois livros disto para adaptar. Ugh!

 

publicado às 19:42

Os melhores (e piores) filmes de 2014

por Antero, em 31.12.14

boyhood-2014

Mais um final de ano, mais uma vez a já tradicional lista de melhores e os piores filmes estreados em Portugal em 2014, segundo a minha opinião.

 

1

Boyhood - Momentos de Uma Vida

Boyhood

Filmado ao longo de quase 12 anos, Boyhood é o mais ambicioso filme de toda a carreira do multifacetado Richard Linklater. Ao acompanharmos o crescimento de Mason (a revelação Ellar Coltrane), Linklater inevitavelmente leva a que reflitamos sobre a nossa própria e efémera experiência neste mundo e, assim, Boyhood alcança um efeito paradoxal: embora não tenha nada de extraordinário para contar, o filme foca-se na vida – o que, por si só, já é algo extraordinário.

 

2

Her - Uma História de Amor

Her

Um dos argumentos mais insólitos que eu me lembro, mas isso não é de espantar já que a mente por detrás do mesmo é Spike Jonze, um dos mais originais e virtuosos talentos revelados em Hollywood nas últimas décadas. Situado numa Los Angeles futurista mas perfeitamente plausível, Her é uma reflexão da necessidade humana de amar e sentir-se amado, o crescente isolamento da humanidade totalmente viciada na tecnologia e a forma como esta dita não só os nossos hábitos, mas também os nossos estados de espírito.

 

3

12 Anos Escravo

12 Years a Slave

Cineasta com um olhar atento para os limites e a brutalidade da natureza humana, o britânico Steve McQueen desvia a sua lente da individualidade (a greve de fome em Fome e o vício sexual de Vergonha) e foca-a num dos episódios mais degradantes da história da Humanidade: a escravidão.Violento, implacável e absolutamente essencial.

 

4

O Senhor Babadook

The Babadook

O Senhor Babadook não é um mero filme que assusta com altos acordes na banda sonora e sangue por todo o lado. Não; este filme inspira genuíno medo graças a uma ambientação digna de um pesadelo, uma realização precisa e uma visceral interpretação de Essie Davis (que, num mundo justo, estaria na corrida dos próximos Oscars). Perturbador e comovente, é desde já uma obra-prima do terror moderno.

 

5

O Filme Lego

The Lego Movie

É reconfortante perceber que até nas mais elaboradas peças de marketing – e, deixemo-nos de hipocrisias, uma longa-metragem sobre as peças Lego não tem outra razão de existir que não a de vender produtos da marca – há lugar para o mais puro entretenimento. O Filme Lego eleva-se acima da concorrência apostada em eternizar franquias desgastadas (sim, até mesmo a outrora infalível Pixar) porque capta o imaginário infantil como poucas animações conseguem numa (hilariante) história que celebra a individualidade, a inocência e a criatividade no meio do conformismo e do cinzentismo do mundo adulto.

 

6

Snowpiercer - Expresso do Amanhã

Snowpiercer

Ambicioso como alegoria social, fascinante como ficção científica pós-apocalíptica e espetacular como entretenimento, Snowpiercer une as sensibilidades do cinema oriental aos recursos do Ocidente e não se cansa de sacar coelhos da cartola até ao seu perfeito e subvalorizado desfecho.

 

7

Em Parte Incerta

Gone Girl

Quase sádico na forma como manipula as reações do público e realizado com competência e elegância por David Fincher, Em Parte Incerta beneficia-se pelas fabulosas de atuações de Ben Affleck e Rosamund Pike (dois atores que nunca tive em grande conta), pelo arrepiante humor negro e pelo ataque direto ao histerismo mediático construído por meios de comunicação que não hesitam em assumir a figura de acusador, juiz e carrasco em nome das audiências e do dinheiro.

 

8

X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido

X-Men: Days of Future Past

Aproveitando o que de melhor têm os X-Men no cinema (e, sim, há muita coisa boa por aqui), o regresso de Bryan Singer à franquia origina um sensacional blockbuster que conta com um argumento envolvente, personagens carismáticas, um elenco que é de sonho e cenas tão inventivas (como o tiroteio na cozinha) que é impossível não ficar rendido.

 

9

O Lobo de Wall Street

The Wolf of Wall Street

Martin Scorsese tão enérgico que mais parece que está em início de carreira volta a provar por A mais B a razão pela qual ainda é o melhor realizador norte-americano em atividade. O Lobo de Wall Street é juvenil, parvo, histérico, sexista e muito mais de negativo que se possa apontar aos seus protagonistas, mas a diferença (e este é o grande trunfo do filme) é que a objetiva de Scorsese faz questão de apontá-los como seres degradantes com poucas hipóteses de redenção e em momento algum defende as atrocidades que eles cometem.

 

10

O Homem Mais Procurado

A Most Wanted Man

Que enorme ator era Phillip Seymour Hoffman! E que grande filme é O Homem Mais Procurado para servir de montra para o imenso talento do ator falecido em fevereiro deste ano. Aqui está um thriller de espionagem feito por e para adultos. Cínico, melancólico e que substitui as sequências de ação do tipo James Bond por outras que se concentram no meticuloso trabalho executado por espiões que dependem mais de jogos psicológicos, estratégias e habilidade do que de armas para realizarem as suas tarefas.


Outros destaques de 2014, por ordem alfabética:

Agentes Universitários

O Clube de Dallas

O Duplo

Grand Budapest Hotel

Guardiões da Galáxia

Locke

Má Vizinhança

Os Maias – Cenas da Vida Romântica (versão integral)

Ninfomaníaca (Volumes I e II)

Planeta dos Macacos: A Revolta

Quando Tudo Está Perdido

Só os Amantes Sobrevivem

 

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-10

Ao Encontro de Mr. Banks

Saving Mr. Banks

Os bastidores da adaptação de ‘Mary Poppins’ para o grande ecrã dariam material para um filme, mas certamente poderiam originar algo mais refinado do que este burocrático e desonesto Ao Encontro de Mr. Banks. Com uma estrutura errática e um mar de obviedade e pieguice, o filme não tem receio em apostar em estereótipos como o norte-americano caloroso e homem de família (Walt Disney) versus a britânica fria e neurótica (P.L. Travers).

 

-9

Eu, Frankenstein

I, Frankenstein

Aaron Eckhart "desfigurou-se" em O Cavaleiro das Trevas e deu-se muito bem. Quis repetir a gracinha nesta barulhenta, histérica e incoerente porcaria e deu-se muito mal.

 

-8

O Filho de Deus

Son of God

Se A Bíblia, série do History Channel, já não era um portento em televisão, a sua versão fragmentada para o cinema não passa de uma mera colagem de episódios sem grande fluidez ou reflexão e até sem nenhuma outra perspetiva dos autores – o que desde logo reduz o seu alcance como longa-metragem. Ampliado no grande ecrã, O Filho de Deus mostra todos os defeitos da versão televisiva: parcos valores de produção, uma lógica visual inerte e uma escala bem mais comedida para algo que deveria ser épico. Quanto ao “nosso” Diogo Morgado, que aproveite a oportunidade e as supostas portas que o papel lhe terá aberto, mas tanto ele como o que o rodeia roçam o insípido e o desnecessário, mal conseguindo disfarçar a condição de produto oportunista.

 

-7

Tartarugas Ninja: Heróis Mutantes

Teenage Mutant Ninja Turtles

Ao longo dos anos ganhei um medo de morte ao sul-africano Jonathan Liebesman. O realizador estreou-se com Terror na Escuridão, um péssimo filme de terror; voltou ao género no dispensável Massacre no Texas – O Início; e cuja obra mais conhecida é Invasão Mundial: Batalha Los Angeles, uma ficção-científica de ação que é um terror. A verdade é que Liebesman não deixa o seu prestígio em mãos alheias: é um tarefeiro que tenta emular as “qualidades” do seu mentor, nada mais nada menos que Michael Bay. Tartarugas Ninja: Heróis Mutantes é esteticamente feio, narrativamente pobre e com atuações para lá de esquecíveis, com a bela Megan Fox mais uma vez a mostrar que o seu talento é inversamente proporcional aos seus atributos físicos. 

 

-6

Sex Tape - O Nosso Vídeo Proibido

Sex Tape

Promete muito a início, mas logo mostra o seu objetivo: ser um enorme e agressivo anúncio aos produtos da Apple. Além disso, é uma comédia inofensiva. Dá até pena de Jason Segel.

 

-5

Transcendence – A Nova Inteligência

Transcendence

Uma confusão. Se se limitasse a ser um filme de série B, Transcendence até poderia ser razoável com o seu elenco em modo "isto é sério demais para mim" e buracos narrativos que se vêm da Lua. Mas como é produzido por Christopher Nolan, isto é para levar a sério e o filme quer discutir (e mal) tanta coisa ao mesmo tempo que se perde ainda no primeiro ato (o que é uma proeza).

 

-4

Sei Lá

Sei Lá

Lisboa, 1998. Vem aí a Expo e "Portugal já não estará na cauda da Europa!". Quatro mulheres caricaturas: a sonhadora, a voraz, a pragmática e a coitadinha. Os homens são para usar e deitar fora, mas dá jeito ter o conforto de um. Um terrorista basco (?). Onde andas, Joaquim Leitão? Surpreendentemente, o livro é melhor.

 

-3

Mil e Uma Maneiras de Bater as Botas

A Million Ways to Die in the West

O sucesso inesperado leva, muitas vezes, ao desastre criativo. Um falhanço a quase todos os níveis (a fotografia e a banda sonora escapam à hecatombe), Mil e Uma Maneiras de Bater as Botas comete uma série de erros que, todos elencados, não dariam para uma enciclopédia: é demasiado longo; está recheado de “piadas” que andam à volta de palavrões, gases, urina, animais… por vezes todas juntas na mesma cena; Seth MacFarlane não tem ponta de carisma para ser protagonista e, ao rodear-se de um elenco tão bom e tão desperdiçado, só mostra que está muitos degraus abaixo em matéria de talento; as “piadas” ora são mal construídas, ora são repetidas ad infinitum, ora são atiradas ao acaso para, regra geral, atingirem o público com um estouro tão notável que a pergunta que fica é “como alguém achou que isto teria piada?”. 

 

-2

Transformers: Era da Extinção

Transformers: Age of Extinction

Ah, Michael Bay e a sua infinita capacidade em explodir coisas. Já não bastasse a sua “trilogia da sucata”, o realizador volta à carga com mais um capítulo do equivalente cinematográfico a levar com uma frigideira na cabeça durante tortuosos 165 minutos. Horrível, exagerado e estupidificante do primeiro ao último minuto, cria o desejo que o subtítulo se torne realidade.

 

-1

Eclipse em Portugal

Eclipse em Portugal

Nem num festival de vídeos amadores vocês encontrarão um filme tão horroroso e imbecil como Eclipse em Portugal, regresso do meu "estimado" Alexandre Valente às longas-metragens após esse portento de nome (até dói só de lembrar) Second Life. Valente referiu que fez um filme “de tostões”, sem apoios comunitários, mas nada justifica o festival de erros que passa no ecrã. Diálogos pobres, atuações caricaturais, edição deficiente (nota-se as diferenças de luz entre os planos) e o tratamento de som é de fugir (há diálogos que variam do impercetível ao quase berro – e isto na mesma frase!). Baseado num crime real, a história (história?) ridiculariza o criminoso, a sua família, os seus amigos, a sua comunidade e até os pobres coitados que aceitaram enfiar-se neste buraco. E como não há nada que não possa piorar, o filme recorre à solução que atesta a falência artística de qualquer comédia: erros de gravações. Ah, Valente!

 

Outros destaques (pela negativa) de 2014, por ordem alfabética:

300 – O Início de um Império

Os Gatos Não Têm Vertigens

Godzilla

Grace de Mónaco

O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos

Os Mercenários 3

Need For Speed: O Filme

Não Há Duas Sem Três

Ressaca de Saltos Altos

 

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Bom ano e bons filmes!

publicado às 18:50

The Hobbit: The Battle of the Five Armies (2014)

Realização: Peter Jackson

Argumento: Peter Jackson, Fran Walsh, Philippa Boyens e Guillermo del Toro

Elenco: Martin Freeman, Richard Armitage, Luke Evans, Evangeline Lilly, Lee Pace, Orlando Bloom, Cate Blanchett, Hugo Weaving, Christopher Lee, Billy Connolly, Aidan Turner, Ryan Gage, Ken Stott, Stephen Fry, Ian McKellen

 

Qualidade da banha:

 

E eis-nos chegados ao último tomo da trilogia mais dispensável de sempre. Um final que nunca consegue justificar a divisão deste fiapo de história em três filmes e que acredita que nos preocupamos com os destinos de Bilbo, dos anões, dos elfos e do raio que o parta quando as seis horas anteriores não conseguiram torná-los minimamente interessantes ou queridos junto do público (até porque sabemos de antemão quem sobreviverá para aparecer no O Senhor dos Anéis).

 

Quase não estive para escrever este texto já que os erros e acertos de A Batalha dos Cinco Exércitos são os mesmos que referi quando analisei Uma Viagem Inesperada e A Desolação de Smaug: um exercício de prepotência e excessos, um festim para os olhos sem emoção, longos e grandiosos discursos que não diminuem o tédio dos acontecimentos e, claro, cenas irrelevantes para a jornada em questão e que só estão lá revermos caras conhecidas e fazer ligações desnecessárias com eventos posteriores. Isto tudo ao som da banda sonora de Howard Shore que deve ser pago ao minuto visto que praticamente não há um momento de silêncio durante o filme.

 

Iniciando-se com o ataque de Smaug a Esgaroth prometido no desfecho do capítulo anterior, A Batalha dos Cinco Exércitos começa logo a pressionar os botões da irritação já que o dragão sai de cena aos dez minutos - o que me levou a questionar o bom senso artístico de Peter Jackson que poderia perfeitamente ter incluído esta parte em A Desolação de Smaug e não o prejudicar com aquele fim abruto. Com a criatura fora da equação, os anões liderados por Thorin (Armitage) conquistam a Montanha Solitária e, enquanto procura a Arkenstone que Bilbo (Freeman) mantém escondida, o rei anão fica paranóico em relação aos tesouros que agora possui e decide renegar o seu acordo com os humanos liderados por Bard (Evans). Entretanto, o rei elfo Thranduil (Pace) decide atacar a Montanha para recuperar parte do tesouro que julga pertencer ao seu povo, ignorando a aproximação dos perigosos orcs comandados por Azog (Bennett). Isto resultará na batalha do título e que ocupa a maior parte da projeção.

 

Impecável nos aspetos técnicos (com a exceção do tenebroso rejuvenescimento digital de Legolas), A Batalha dos Cinco Exércitos não é mais do que um longo e cansativo desfecho indeciso entre o tom épico que deseja imprimir e a infantilidade proveniente dos escritos de Tolkien. A repetição e a falta de subtileza são atributos que Peter Jackson parece ter abraçado ao longo dos anos e este filme poderia ser um best of desta constatação: dos diálogos expositivos às mudanças de caráter inexplicáveis e repentinas (Thorin, Thranduil), passando pelas incontáveis vezes que alguém é salvo no último instante e acabando na insistência em passagens com seres descartáveis (Alfrid, Radagast, Galadriel, Sauron, etc.). É inacreditável, aliás, que tanto tempo investido naquele universo não tenha deixado espaço para amarrar as pontas: o que aconteceu aos tesouros da Montanha? Foram divididos pelos pretendentes? Ficaram todos satisfeitos? Para quê, então, toda aquela batalha?

 

Batalha essa que empalidece daquelas vistas n' O Senhor dos Anéis não obstante os avanços tecnológicos na última década já que a carga dramática é nula. Thorin é um líder tão antipático e Thranduil tão arrogante que fica impossível torcer por algum deles - e, assim, ficamos entregues à pasmaceira de esperar que Bilbo saia vivo da Montanha (o que sabemos que acontecerá) e deprimir por vê-lo tão apagado na sua própria história. De qualquer forma, o nosso Hobbit sempre está um patamar acima dos anões que o rodeiam que, chegados ao terceiro capítulo, continuam sem se distinguirem uns dos outros a não ser em termos de vestuário e maquilhagem. Já a adição da elfa Tauriel volta a revelar-se uma curiosidade inócua por estar caída de amores por um anão e presa a pastosos diálogos que fazem estremecer a Terra Média (e Evangeline Lilly merecia um prémio só por permanecer inteira ao dizer coisas como "Não há amor em ti!" e "Porque dói tanto?!")

 

Incluindo um combate numa arrebatadora cascata congelada que tem tanto de empolgante como de estúpido (o pouco prático calhau usado como arma por Azog é ridículo até porque este tem uma enorme lâmina no lugar do braço!), A Batalha dos Cinco Exércitos ganha uma certa vida quando Jackson descortina a imensidão e o alinhamento dos exércitos e tem um ou outro momento de tirar o fôlego (quando os elfos saltam sobre uma fileira de anões), mas é a prova que um ou dois filmes seriam mais do que suficientes para elaborar esta prequela. É triste ver um cineasta como Peter Jackson desperdiçar os seus créditos desta maneira. A Terra Média precisa de descanso, Hollywood!

 

publicado às 18:07

The Hunger Games: A Revolta - Parte 1

por Antero, em 20.11.14

The Hunger Games: Mockingjay - Part 1 (2014)

Realização: Francis Lawrence

Argumento: Peter Craig, Danny Strong

Elenco: Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Woody Harrelson, Elizabeth Banks, Julianne Moore, Philip Seymour Hoffman, Jeffrey Wright, Stanley Tucci, Donald Sutherland, Sam Claflin, Jena Malone

 

Qualidade da banha:

 

A decisão de dividir o último livro da trilogia The Hunger Games em dois filmes é questionável - e há momentos em que A Revolta - Parte 1 arrasta-se em esforço para atingir a duração pretendida de quase duas horas. Por outro lado, é bastante provável que vários espectadores reclamem da falta de ação e do ritmo lento da narrativa que opta por sacrificar os embates físicos em nome dos jogos políticos em que a protagonista se vê mergulhada. Uma decisão que, quanto a mim, não só é bem-vinda como também se mostra corajosa, ainda mais por vir de uma super-produção de Hollywood voltada ao público jovem.

 

Escrito a partir do terceiro livro da série criada por Suzanne Collins, A Revolta - Parte 1 traz Katniss Everdeen (Lawrence) escondida nos restos subterrâneos do Distrito 13 após ter sido resgatada pelos rebeldes no final de Em Chamas. Atormentada por tudo o que passou nos filmes anteriores, Katniss une-se à presidente Alma Coin (Moore), ao relações públicas Plutarch Heavensbee (Hoffman) e restantes aliados para organizarem a luta contra o presidente Snow (Sutherland) que mantém Peeta Mellark (Hutcherson) em cativeiro. Para tal, Katniss é incumbida de protagonizar vídeos de propaganda de forma a agregar mais distritos no apoio à rebelião enquanto o Capitólio recorre a estratégias de desacreditação dos rebeldes.

 

Mantendo o tom opressivo e desolador já caraterístico na série, esta Parte 1 retrata uma guerra de informação que, mesmo disputada entre paredes, não deixa de ser menos impiedosa. Com isto, The Hunger Games ganha contemporaneidade já que cada fação tem o seu símbolo mensageiro - e basta que Peeta implore na televisão por um cessar-fogo para ser automaticamente apelidado de "traidor" e "vendido" ao mesmo tempo que Katniss é noticiada como uma "criminosa" e "terrorista". Assim, o filme dedica grande parte do seu tempo a discutir a mediatização e o simbolismo do indivíduo em prol do coletivo, uma vez que os atos heróicos de Katniss não são o suficiente: mais importante é projetar nas massas a imagem de uma heroína.

 

Isto não impede que Katniss se sinta desconfortável na pele de símbolo revolucionário -  ainda que concorde com os ideais dos rebeldes. Mesmo a presidente Coin, sempre fria e calculista, tem os seus precisos discursos populistas ditados por Plutarch, o que, mais uma vez, distorce a fronteira entre realidade e propaganda. Enquanto isso, o presidente Snow, numa curta cena que adiciona mais lenha na discussão, prefere usar termos mais abstratos como "radicais" por ter noção que derivados de "crime" ou "rebeldia" poderiam levar a questionamentos por parte do povo. Desta forma, em vez de apostar no espetáculo gratuito de mostrar a revolução em marcha, A Revolta - Parte 1 mostra os bastidores que antecedem a mesma, visto que recolher apoios cada vez mais significativos é imperioso e controlar a informação é absolutamente essencial para atingir esse objetivo. Tanto é que, a certa altura, Katniss é constantemente seguida por uma equipa de filmagem sempre à espreita de um momento (fabricado ou não) em que a rapariga possa fazer ou declarar algo relevante para a causa.

 

Novamente no papel de Katniss, Jennifer Lawrence continuar a destilar o seu imenso talento ao injetar fúria e sensibilidade na sua interpretação: Katniss não é uma heroína por gosto, mas sim elevada a tal posto por força das circunstâncias e a sua dificuldade em abraçar essa responsabilidade, longe de ser um sinal de indiferença, remete ao seu maternalismo em proteger aqueles que lhe são mais chegados. Mesmo o triângulo amoroso é trabalhado apropriadamente para explorar a personalidade de Katniss, como no momento em que Gale (Hemsworth) consegue ser honesto o suficiente para lhe declarar que ela só repara nele quando este se mostra mais fraco.

 

Conduzindo a narrativa com segurança e fluidez, o realizador Francis Lawrence investe num clima desesperador e cria sequências que, aproveitando ao máximo o design de produção, parecem saídas de um  filme de guerra e o terceiro ato, que envolve uma missão ao Capitólio intercalada pelo discurso sentido de uma personagem, é tensa precisamente por não sabermos ao certo o que se passa e de onde poderá vir o perigo.

 

Contudo, A Revolta - Parte 1 peca (e muito) por ser aquilo que é: uma preparação para o tomo final e por não ter história que justifique as quase duas horas de duração. Há sequências que nada acrescentam, há demasiado falatório (e alguns diálogos doem de tão expositivos) e o Distrito 13 lembra por vezes a infame Zion da trilogia Matrix. É um filme incompleto, mas não deixa de ser um bom "meio-filme".

 

publicado às 19:33

Transformers: Era da Extinção

por Antero, em 11.07.14


Transformers: Age of Extinction (2014)

Realização: Michael Bay

Argumento: Ehren Kruger

Elenco: Mark Whalberg, Stanley Tucci, Kelsey Grammer, Nicola Peltz, Jack Reynor, Sophia Myles, Li Bingbing, Titus Welliver, T. J. Miller

 

Qualidade da banha:

 

"Porque nos haveríamos de preocupar com estes humanos?" – pergunta a certa altura um Transformer ao seu líder, Optimus Prime, no mais recente instrumento de tortura filme de Michael Bay no que imediatamente me soou como uma mensagem subliminar do argumentista Ehren Kruger para o realizador sempre mais preocupado com explosões, barulho e efeitos especiais do que em desenvolver personagens apropriadamente. Kruger já havia sido o escritor do pavoroso terceiro capítulo que, por sua vez, sucedeu ao também pavoroso segundo filme (e estes juntos fazem do somente fraco original de 2007 um tratado filosófico) e, como tal, terá pensado em suavizar a ingrata tarefa de trabalhar novamente para Bay ao enviar-lhe pequenos recados na forma de diálogos e que este, como forma de manter a coerência da sua filmografia, tratou de ignorar.

 

Isto, pelo menos, foi o que pensou o meu lado mais inocente sempre crente na bondade humana personificada por Hollywood. Ou então eu já estava tão desesperado com o que via no ecrã que entrei em negação e desatei a conceder descontos a tudo o que me enfiavam goela abaixo. O resultado: Transformers: Era da Extinção é um objeto que contamina os olhos, os ouvidos, o cérebro e a alma do espectador. Não deixa de ser espantoso como ao final de cada Transformers eu penso sempre que foi pior que o anterior – provavelmente até nem é, mas não estou disposto a tirar isso a limpo – e há que dar no mínimo esse mérito à série: quando achamos que a mediocridade atingiu um novo limite, lá aparece Michael Bay para nos mostrar o quanto estamos errados.

 

Com um elenco renovado (o que na prática significa zero já que Michael Bay arrancaria uma prestação ruim até do melhor Marlon Brando), Era da Extinção conta a história de… bom, basicamente conta a mesma história: os Autobots são bons, os Decepticons são maus, o planeta está em perigo, muita destruição, muita lataria a voar, muito caos visual, muito ruído e muita piada sem graça. Há também, claro, umas personagens atiradas ali para o meio e mantidas durante a projeção por pura conveniência uma vez que limitam-se ao papel de qualquer ser humano num filme de Michael Bay: debitar diálogos atrozes, fugir de explosões que ocorrem mesmo ao lado deles e, no caso das femininas, serem sexualmente exploradas pelo olhar machista do realizador.

 

Que, como sempre, usa e abusa do seu indispensável arsenal para atingir um público que ele encara como se tivesse défice de atenção: para além das já citadas explosões (tudo explode ao mínimo contacto!), estão lá os mil cortes por segundo, o slow motion sem critério, as panorâmicas circulares, os planos contrapicados, as poses heróicas, os filtros amarelos, os orgasmos pelas forças armadas e muito frenesim. O filme só acalma para fazer descaradíssimos product placements. Estão também lá erros de palmatória inacreditáveis: uma cena ao pôr-do-sol (Michael Bay adora o pôr-do-sol!) é entrecortada por outra que se passa já de noite bem escura para, logo a seguir, voltarmos à cena anterior... onde ainda não escureceu! Mais à frente, os bondosos Autobots lançam-se numa perseguição louca onde desfazem veículos uns atrás dos outros para, minutos depois, defenderem o lema de que "não magoamos humanos".  Mais tarde, Optimus Prime pede aos inúteis humanos que o acompanham para se encarregarem de levar um objeto importante para um sítio qualquer – o que é uma estupidez, já que ele poderia pedir o mesmo aos seus amigos robots que até podem voar e proteger a tal peça com melhores recursos. Tudo isto leva-me a crer que Bay é um discípulo de Ed Wood a quem saiu a lotaria de poder trabalhar com orçamentos multimilionários.

 

A história é uma colcha de retalhos estruturada para esticar ao máximo a duração entre uma explosão e outra. Chega a uma altura lá pela marca dos 90 minutos na qual o filme ativa o modo turbo e simplesmente recusa-se a acabar. E nem minimamente original consegue ser, uma vez que Chicago é mais uma vez assolada pela destruição. Não deixa de ser deprimente como uma narrativa tão derivativa de outras obras superiores tenha que usar as próprias ideias em segunda mão. Contudo, Chicago é só um aperitivo para o grande destaque da película que é quando a ação salta para Hong Kong. Porquê Hong Kong? Porque a série Transformers é muito lucrativa para os lados da China. Considerem isto como uma pequena vingança do mundo ocidental: eles enviam para cá produtos de qualidade duvidosa e nós respondemos ao situar lá lixo cinematográfico. Não é uma maravilha?

 

E as atuações? Não existem. Mark Whalberg é tão credível como um inventor nas lonas e pai de uma adolescente como Denise Richards era como física nuclear. Essa adolescente é Nicola Peltz que obviamente é um colírio para os olhos e que deveria aparecer na ficha técnica como "substituta de serviço para Megan Fox". Stanley Tucci é o único que dá algum gozo ver em cena, talvez porque o ator demonstre estar ciente da imbecilidade que o rodeia e das coisas idiotas que é obrigado a dizer. Ele faz o papel de um empresário claramente moldado em Steve Jobs que conseguiu isolar um metal chamado "Transformium" que, duh!, é capaz de se transformar em qualquer coisa – exceto fazer de Era da Extinção algo prestável.

 

De resto, não há muito que se aproveite. Nem o mórbido prazer de acompanhar algo tão mau que tem de ser visto para crer. Com uma hora a menos, talvez passasse como curioso exercício trash de grande orçamento. Com quase três insuportáveis horas, Transformers: Era da Extinção é um crime. Deviam existir leis contra filmes assim.

 

publicado às 00:57


Alvará

Antero Eduardo Monteiro. 30 anos. Residente em Espinho, Aveiro, Portugal, Europa, Terra, Sistema Solar, Via Láctea. De momento está desempregado, mas já trabalhou como Técnico de Multimédia (seja lá o que isso for...) fazendo uso do grau de licenciado em Novas Tecnologias da Comunicação pela Universidade de Aveiro. Gosta de cinema, séries, comics, dormir, de chatear os outros e de ser pouco chateado. O presente estaminé serve para falar de tudo e de mais alguma coisa. Insultos positivos são bem-vindos. E, desde já, obrigado pela visita e volte sempre!

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