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"Já ninguém liga aos clássicos!" - diz a personagem de Nuno Markl na primeira cena de A Bela e o Paparazzo, mas eu vou mais longe e reformulo: já ninguém liga ao cinema português. Acusado de ser demasiado intelectual, recheado de 'panelinhas', asneirento, que nunca é comercial e, quando o inverso ocorre, oferecer ao grande público exercícios trash e amarrado a dispositivos televisivos, é certo que o cinema cá do burgo já viu melhores dias. Porém, ainda há um indivíduo a remar contra a maré (Joaquim Leitão parece ter desistido de tentar e Leonel Vieira foi areia atirada aos nossos olhos): António Pedro Vasconcelos, um dos poucos que ainda consegue aliar o cinema dito 'inteligente' a uma vertente mais popular, sem resvalar para a chungaria digna de objectos como Corrupção, O Crime do Padre Amaro ou Contrato. Vasconcelos sabe contar uma boa história, sabe dirigir actores e, o melhor de tudo, sabe como utilizar o contexto social a favor da sua obra. Uma pena que a sua filmografia seja tão escassa: apenas três longas-metragens nos últimos dez anos.
Escrito por Tiago Santos, que já se aliara ao realizador no anterior Call Girl, A Bela e o Paparazzo pretende ser uma comédia romântica sofisticada, em que o mundo das celebridades e da imprensa cor-de-rosa são objecto de sátira. Mariana Reis é uma actriz à beira de um colapso nervoso: a sua personagem perde espaço na novela em que participa e a sua vida pessoal é sempre motivo de capas nas revistas sociais. A culpada é Gabriela, nome fictício de João, um fotógrafo que a persegue para todo o lado para satisfazer os objectivos da sua ávida editora, sempre disposta a publicar o próximo escândalo. Um dia, devido a uma série de mal-entendidos, Mariana e João envolvem-se sem ela saber a profissão dele. A partir daqui o óbvio acontece: promessas de amor, desentendimentos, obstáculos que atiram no caminho do casal, enfim... nada que alguém que já tenha visto comédias românticas não saiba.
O final é conhecido, mas é o percurso que interessa nos filmes do género e é aqui que A Bela e o Paparazzo começa a marcar pontos: a direcção e a fotografia são elegantes, aproveitando os cenários de uma Lisboa glamurosa, romantizada, mas ao mesmo tempo palpável; as afinetadas aos bastidores da fama são certeiras (embora pudessem ser mais ácidas); e a galeria de secundários é excelente, destacando-se o realizador agastado de Nicolau Breyner e a viperina editora de Maria João Luís que merecia um filme só dela. No entanto, todas as cenas da narrativa paralela da independência do prédio só servem para desviar o foco principal, uma vez que parecem saídas de outro filme e nunca se enquadram organicamente na história do casal. Percebem-se as boas intenções deste arco (recuperar a tradição das comédias clássicas do cinema português) e as personagens são bem defendidas por Nuno Markl e Pedro Laginha, mas tudo parece caído do céu e pouco desenvolvido.
Tão importante como o percurso é o casal de protagonistas e Soraia Chaves e Marco D'Almeida exibem uma óptima química e, principalmente no caso dele, um bom timing cómico como pode ser atestado na sequência do restaurante japonês. É de lamentar que o seu talento tenha que ser desperdiçado em telenovelas sem expressão. Quanto a Soraia Chaves, continua a percorrer um bom caminho depois da surpresa de Call Girl e vem-se revelando como uma actriz cada vez mais madura, inteligente e menos um corpo escultural a passear no ecrã. Mesmo não estando ao nível denso d' Os Imortais, A Bela e o Paparazzo é um filme agradável de acompanhar, com boas piadas e bons actores. Longe dos objectos deprimentes direccionados para o grande público que o cinema português nos tem brindado, posso afirmar que este é o feel good movie que Portugal precisava. Pode ser que outros aprendam.
Qualidade da banha: 13/20