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Perdido algures num passado remoto e com uns fogachos aqui e ali (Thelma e Louise, Hannibal e Amigos do Alheio), o talento do realizador Ridley Scott tem servido uma carreira instável, para dizer o mínimo. O homem por trás de obras seminais como Alien – O Oitavo Passageiro e Blade Runner – Perigo Iminente atingiu o pico da montanha cedo na vida, há longos 28 anos, e, de lá para cá, entregou-se a obras menores numa filmografia que abrange diversos géneros. Em Robin Hood, percebe-se a intenção de repetir o efeito do premiado Gladiador (que acho bonzinho, mas só), não por acaso o filme que o trouxe de volta para a ribalta e deu o Oscar a Russel Crowe. Porém, de boas intenções está o inferno cheio e a obra recém estreada é mais um esforço meritório, mas inconsequente, numa carreira recheada deles. Em suma: um filme digno do seu realizador.
Desenvolvido como uma espécie de prequela das histórias conhecidas de Robin dos Bosques, Robin Hood pretende dar a conhecer o início da lenda. Assim, temos Robin Longstride, um soldado do exército do Rei Ricardo Coração de Leão, que aproveita a morte deste e o fracasso das Cruzadas para regressar a casa com os parceiros João Pequeno, Will Scarlet e Alan A’Dayle. Para isso, eles passam-se pelo batalhão encarregue de entregar a coroa na Inglaterra, o que o levará a conhecer Lady Marion e a conhecer a realidade dos barões falidos que se revoltam contra o Rei João, irmão do falecido Rei Ricardo. Ao mesmo tempo, intrigas no seio da Corte e a bancarrota da Inglaterra permitem uma planejada invasão por parte dos franceses.
Ridley Scott não é nenhum novato nestas andanças: Gladiador e Reino dos Céus são tecnicamente impecáveis e transpiram épico pelos poros. Por isso, uma das grandes surpresas de Robin Hood é que ele nem se dedicar tanto a batalhas, mas sim a tentar fundamentar a narrativa (unindo todas as pontas que levarão à história já conhecida) e dar novas dimensões a velhas personagens. Desta forma, Robin surge como um guerreiro mais preocupado com o seu bem-estar do que propriamente com os problemas do reino, ao mesmo tempo que o Rei Ricardo abandona toda a nobreza que o caracteriza, estando quase sempre ébrio e tomando medidas pouco prudentes. Por outro lado, o Rei João mantém a faceta arrogante e mimada de sempre, embora revele o desejo de cair nas graças do povo (o que é diferente de ser um bom monarca) e conseguir tão boa fama como o seu irmão, ao passo que Lady Marion condiz mais com os tempos modernos e surja como mulher determinada e de forte personalidade (o orgulho das feministas actuais), isto até ao desastroso acto final – do qual falarei mais abaixo.
A colaborar na tarefa de revelar novas dimensões das personagens vem o elenco encabeçado por Russell Crowe que dá a Robin Hood todo o ar de um Maximus mais bem-humorado, enquanto Cate Blanchett dá credibilidade (dentro do possível) a uma personagem fora do seu tempo e Mark Strong interpreta, pela terceira vez em seis meses, um vilão – aliás, basta vê-lo em cena para perceber que a sua personagem não é confiável, uma vez que ele não inova nada de filme para filme, o que não deixa de ser uma pequena proeza. Em contrapartida, são os secundários quem mais brilham, como William Hurt no papel do valoroso e dedicado William Marshal e o veteraníssimo Max von Sydow numa participação curta e marcante.
Ainda que os valores de produção sejam competentes, eles acabam por não impressionar muito devido à realização burocrática de Ridley Scott que não consegue imprimir o mínimo de energia às cenas de acção. Outro tropeço é a estrutura narrativa que parece incluir elementos de forma inorgânica, apenas para avançar a narrativa artificialmente: o casal que discute mas ama-se profundamente, o trauma do passado que se revela determinante (numa cena imbecil em que uma lembrança aparece do nada, praticamente inventando a psicanálise como tratamento médico) ou o facto de o tempo ser convenientemente relativo – não por acaso, o exército francês está a caminho de Inglaterra pelo Canal da Mancha, mas ainda há tempo de alertar a Corte, reunir com os barões a Norte, seguir para a costa e surpreender os franceses. Nada como a pontualidade britânica.
O grande erro de Robin Hood, porém, é o seu terceiro acto, que praticamente consegue destruir o que de bom se vinha feito anteriormente (mesmo com todos os percalços). A batalha final mais parece o desembarque das tropas Aliadas na Normândia e, se isto já seria pouco adequado num filme de época, a sequência ainda se torna mais constrangedora pelo facto da mesma ser encenada de forma pouco majestosa (económica, diria eu), com uma Lady Marion armada em Joana D’Arc – o que pode ser muito louvável nos dias de hoje, mas não deixa de ser uma facada na credibilidade do filme – e com um Robin Hood a revelar-se um canivete suíço do exército, já que ele ajuda os arqueiros, a cavalaria e, como não podia deixar de ser, a donzela em perigo.
Contudo, o que mais decepciona no filme é a própria preguiça com que ele foi produzido. O argumento original pretendia dar a conhecer um lado mais simpático do Xerife de Nottingham que apenas tentava cumprir o seu dever contra um Robin dos Bosques retratado como um fora-da-lei menos idealista. Infelizmente esta ideia não foi avante e preferiu-se jogar pelo seguro, subestimando a inteligência do espectador. Poderia ter saído daqui um filme muito mais interessante que este inconsequente, mas passável, Robin ‘Maximus’ Hood.
Qualidade da banha: 11/20