Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




Admirável mundo novo

por Antero, em 18.12.09

 

James Cameron é um visionário, um cineasta que parece estar sempre um passo à frente do seu tempo. A sua filmografia é relativamente curta (apenas 6 filmes anteriores - descontando Piranha 2, que o próprio não reconhece), mas todos os seus filmes são espectáculos visuais recheados de adrenalina, um dos expoentes máximos do cada vez mais raro "entretenimento com cérebro". Guardado na gaveta à espera dos avanços na área dos efeitos especiais, o argumento de Avatar voltou a chamar a atenção de Cameron nos últimos anos e após longos meses de produção, elogios que o consideravam 'revolucionário' e como o 'futuro do cinema', e grande antecipação depois de ter afundado o Titanic e estourado as bilheteiras, chega agora as salas o filme que traz o planeta Pandora como cenário principal. A experiência é realmente revolucionária: o detalhe na criação, o foto-realismo e a quase imersão que o espectador experiencia é algo do outro mundo. Pandora existe aos nossos olhos e isso é o que basta para contornar qualquer defeito.

 

Ou quase. Escrito por Cameron, o argumento vai buscar elementos de filmes como Pocahontas (a certa altura pensei que ia ouvir o Quantas Cores o Vento Tem...), Danças Com Lobos, O Último dos Moicanos ou A Missão para contar a história de Jake Sully, um paraplégico chamado para substituir o falecido irmão gémeo numa missão em Pandora, no ano 2156. Ele terá de controlar um corpo artificial (um avatar) desenvolvido para simular o povo Na'vi que habita o planeta e, uma vez enviado para aquela atmosfera tóxica para os humanos, terá de ganhar confiança com o povo nativo e convencê-los a deixar as suas terras serem exploradas pelos terráquos, que tem interesse num metal valioso. Chegado àquele mundo fascinante, Sully é acolhido pelos Na'vi e passa a conhecer a sua cultura através de Neytiri (por quem se apaixona), o que o fará pôr em causa os seus objectivos. Se a nível técnico Avatar é um passo gigantesco para o Cinema, a nível narrativo não podia tresandar mais a mofo.

 

Não que isso seja um grande problema: a trajectória de Sully é terrivelmente previsível e as personagens não fogem muito a estereótipos, mas isso não é um empecilho desde que estes sejam bem usados. Não seria num filme arriscadíssimo como este que se pediria para não se jogar pelo seguro. Porém, como realizador, Cameron continua em grande forma e o planeta Pandora, totalmente saído da sua imaginação, é a maior prova disso: retratando nos mínimos detalhes aquele ecossistema cheio de cores vibrantes e cujos habitantes vivem em comunhão com a Natureza, o realizador reserva os dois primeiros actos de Avatar para apresentar ao público um mundo imaginativo e hipnotizante. Poucos são aqueles que sabem utilizar efeitos especiais em benefício da narrativa, mas Cameron nunca vai contra os seus princípios e, apesar dos fartos efeitos gerados por computador, estes surgem sempre integrados na história e, o melhor de tudo, altamente realistas e quase simulando na perfeição a percepção do olho humano.

 

No entanto, é nos Na'vi que está o grande trunfo de Avatar: ao contrário de obras como Final Fantasy, Polar Express ou Beowulf, as personagens digitais - emoludas a partir das interpretações do elenco no processo conhecido como performance capture - movem-se com total fluidez e são incrivelmente expressivos (os olhos estão repletos de vida, por oposição ao olhar "morto" das personagens dos filmes acima enunciados). Os avatares de Jake Sully e Grace contêm todas as expressões faciais do seus intérpretes humanos, respectivamente, Sam Worthington e Sigourney Weaver. Isto facilita imenso a identificação do espectador com aqueles seres estranhos, uma vez que o trabalho de composição do actor acaba por ser fulcral em todo e processo e, neste particular, Zoë Saldana oferece uma estupenda actuação como a decidida, mas terna, Neytiri (algo diferente não se podia esperar de James Cameron, basta ver as mulheres duras, audazes e que rejeitam o rótulo de sexo fraco da sua filmografia: a Tenente Ripley de Aliens, a Sarah Connor de T2 ou a Helen Tasker de A Verdade da Mentira, entre outras).

 

Porém, como eu já referi, o argumento deixa a desejar em alguns momentos: apesar da louvável mensagem ecológica e a alegoria com vários momentos da História norte-americana (a colonização dos índios; o metal valioso remete à procura pelo ouro e, mais recentemente, ao petróleo) e não só (a época dos Descobrimentos), Cameron comete alguns deslizes em certos diálogos pavorosos e situações mal resolvidas, como o ponto de viragem numa importante batalha perto do final do filme. Por outro lado, o filme merece aplausos pela mensagem anti-Guerra e por não ter medo de retratar as forças militares norte-americanas como bestas sem escrúpulos, capazes do pior em prol de benefícios económicos.

 

Obrigatória a visualização a versão 3D para ter a sensação de imersão mais apurada (algo que perder-se-á com o lançamento para o mercado de vídeo e exibições televisivas), Avatar tem uma meia hora final recheada de acção trepidante, a grande especialidade do realizador afinal de contas. E apesar da tão publicitada experiência transcendental estar mais relacionada com a forma e menos com o conteúdo, Avatar é um filme que merece ser visto no cinema e, se Cameron avançar com a sequela, eu quero estar na fila da frente para voltar a Pandora.

 

Qualidade da banha: 16/20

 

publicado às 04:32


3 comentários

Sem imagem de perfil

De catia a 05.03.2010 às 20:50

Térinho,
graças ao tue comentário sobre a Alice, vim cá ver a crítica do Avatar que optei por não ler quando a lançaste para não ter opiniões acérrimas de quem saber ver os filmes como tu :)
Posto isto, e como entretanto já o vi, devo dizer que tenho exactamente a mesma opinião que tu. É um filme que em termos de efeitos especiais não deixa ninguém insatisfeito e mesmo a narrativa que tanta gente insistiu que era o pior de filme e que alguns chegaram mesmo a dizer que tirou o brilhantismo todo que o filme deveria ter quando as expecativas eram enormes, a mim não me desagradou em nada. Pode ter reminiscências de outros filmes, mas hoje em dia, é difícil, a meu ver, encontrar um filme que não tenha desenlaces em algumas cenas que sejam previsíveis, é difícil encontrar filmes que não sejam adaptação de uma história já existente ou a inspiração num outro filme.
E a mensagem do filme para mim iguala a qualidade técnica do filme: comoveu-me e eu estarei também na primeira fila para ver a sequela!
Imagem de perfil

De Antero a 06.03.2010 às 02:59

Oi, Cátia!

Há quanto tempo! Anda desaparecida a menina, até deixa o seu estaminé entregue ao pó. Assim não pode ser. Obrigado pelo comentário e, pelo mesmo, deduzo que já viste 'Alice no País das Maravilhas', não? Se só lês os meus longos textos depois de ver o filme acho que é o caso, certo?

Beijos!
Sem imagem de perfil

De catia a 06.03.2010 às 14:41

Eu teu não entrego ao pó, acompanho todos os dias para ver quando há novidades tuas! O meu sim, deixo-o entregue aos bichos, nunca mais lá fui... a ver se um dia regresso, talvez no Cheirinho, talvez com outra coisa difrente (fartei-me do verde!).
Por acaso nem sempre leio os teus posts sobre os filmes dos quais prefiro ler críticas só depois de os ver. Foi o caso do Avatar. No da Alice não me consegui conter, como disseste que tinha sido uma banhada tive que ler para ver qual é que era o fundamento de tanta desilusão, uma vez que já não eras o primeiro que tinha ficado desapontado com o senhor Burton. Tenho que ir ver para confirmar (ou não!) o que disseste.
A ver se em breve vou vê-lo, por enquanto ando a ver se vejo os candidatos aos óscares, mas tá dificil fazer isso antes de... amanhã :)
Beijo

Comentar post



Alvará

Antero Eduardo Monteiro. 30 anos. Residente em Espinho, Aveiro, Portugal, Europa, Terra, Sistema Solar, Via Láctea. De momento está desempregado, mas já trabalhou como Técnico de Multimédia (seja lá o que isso for...) fazendo uso do grau de licenciado em Novas Tecnologias da Comunicação pela Universidade de Aveiro. Gosta de cinema, séries, comics, dormir, de chatear os outros e de ser pouco chateado. O presente estaminé serve para falar de tudo e de mais alguma coisa. Insultos positivos são bem-vindos. E, desde já, obrigado pela visita e volte sempre!

Pesquisar

  Pesquisar no Blog


Armazém

  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2015
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2014
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2013
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2012
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2011
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2010
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2009
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2008
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D