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ALERTA DE SPOILER! Este post contém informações relevantes, pelo que é aconselhável que só leiam caso estejam a par da exibição norte-americana.
Fringe 4x14: The End of All Things
(peço desculpa pela demora em iniciar o texto, mas ainda estou a recuperar os pedaços do meu cérebro explodido aqui pela casa e... ah! cá está o lobo temporal...)
(...é só um momento, se faz favor... reparar, assimilar, testar e...)
E um dos grandes mistérios de Fringe foi finalmente desvendado: quem são os Observadores e qual a sua missão? Tal como suspeitara há umas semanas, estes seres que aparecem em tudo que é universo são um dos possíveis futuros da Humanidade; cientistas com tecnologia para viajarem no tempo e entre realidades com o objetivo de testemunharem eventos importantes.
Segundo Setembro, o nosso Observador favorito e do qual aparentemente nos despedimos para todo o sempre, Peter é importante e ver a invenção da cura para a doença que o afligia em criança era um momento imperdível ao qual o nosso careca não podia faltar - embora tenha interferido e levado a que Walternate falhasse no seu experimento, o que fez com que Walter invadisse o Lado B e raptasse Peter, para posteriormente ser salvo pelo mesmo Setembro que se viu na difícil posição de remendar a burrada que tinha feito, o que, por sua vez, levou à guerra entre os dois universos e a tudo o que aconteceu nas três primeiras temporadas. Uff!
Se Peter é assim tão importante e o facto de ter concebido um filho com a Olivia errada ser tão fulcral, leva-me a crer que os Observadores deverão ser descendentes diretos de Henry que, com os genes de um pai e um avô superinteligentes e uma mãe com altas taxas de alcoolemia por cortexiphan (e de outro universo), levará ao surgimento do próximo estágio da evolução humano, digamos o Homo superior. Ora, se Olivia já desenvolvia os seus poderes antes de conhecer Peter, é de supor que ela, eventualmente, iria cruzar os universos, conhecer Peter, Altivia e os demais e, quiçá, ter um filho de forma natural com o amor da sua vida. Esta seria a linha do tempo original e Setembro, ao fazer com que Peter não fosse curado no Lado B, criou uma variante da mesma cujas ramificações catastróficas pudemos acompanhar até ao momento em que Peter decidiu sacrificar-se e Henry lixou-se por tabela. Confuso? Nem tanto.
Ah! Mas há mais: sempre disposta a atirar detalhes revelantes que podem explicar eventos em larga escala, o episódio usa o palimpsesto para fazer não só para avançar a investigação sobre o paradeiro de Olivia, mas também para atirar mais lenha sobre a discussão de que universo é este. Assim, se a fita de VHS contém traços das gravações anteriores (como os pergaminhos contêm os carateres antigos que teriam sido raspados para neles se escrever de novo), Fringe lança a dúvida: esta realidade foi reescrita após Peter ter ativado a Máquina do Apocalipse, adaptando os factos à sua ausência e o caráter das personagens mediante novas vivências (embora, na essência, elas permaneçam as mesmas) e, desta forma, Peter tenha extravasado da linha do tempo anterior para a nova, exatamente como os carateres antigos que ainda estão presentes e visíveis na atualidade. Será?
Numa reviravolta bem sacada, percebemos que a Nina enclausurada com Olivia não é nossa, muito menos um metamorfo já que a diretora da Massive Dynamic interrogada por Broyles e Lincoln teria de estar morta, e sim a do outro Lado e que estará a fazer companhia ao Broyles de lá nos planos de David Robert Jones. E por falar em Jones, este tornou-se praticamente indestrutível graças à reorganização molecular derivada das travessias pelos dois universos, o que torna-o num vilão ainda mais perigoso e cujos planos permanecem uma incógnita. No final, um Peter tão confuso como nós com estas coisas de projeções mentais e linhas do tempo alteradas decide afastar-se de Olivia e deixar a nossa pobre heroína desamparada.
A espera vai ser tortuosa até 23 de março quando Fringe voltar de mais um hiato.
Invasão francesa em Hollywood: o maravilhoso O Artista arrecadou 5 prémios da Academia, três deles dos mais importantes (Filme, Realização, Ator) empatando, mesmo em cima da meta, com o novo projeto de Martin Scorsese, A Invenção de Hugo, este com cinco estatuetas, mas de categorias técnicas. Numa cerimónia marcada pela previsibilidade costumeira da Academia, Billy Crystal voltou pela nona vez ao lugar de anfitrião e mostrou por que é, nos últimos anos, um dos melhores a comandar o evento, com tiradas subversivas e um apelo cómico universal capaz de conquistar toda a gente.
Meryl Streep viu finalmente ser-lhe atribuída o terceiro Oscar da sua carreira num filme muito pobre que vale exclusivamente por ela (de qualquer forma, a nova consagração de Streep peca por tardia), as passo que o veterano Christopher Plummer viu reconhecida toda uma excelente carreira e Octavia Spencer foi a protagonista daquele que foi, provavelmente, o prémio mais injusto da noite, visto que As Serviçais é uma obra mediana catapultada por uma adoração inexplicável por parte dos votantes.
No mais, a Academia mostrou que continua a amar Woody Allen, ainda que este esteja nas tintas, e como facilmente os filmes de Alexander Payne são bem recebidos e a excelente animação Rango favoreceu-se de um ano em que a Pixar fez greve com o fraco Carros 2. Momentos memoráveis da cerimónia, só as intervenções do Sapo Cocas e Miss Piggy e a divertida Emma Stone.
* Crónica publicada no jornal Maré Viva, de Espinho, na edição de 29 de Fevereiro de 2012.
A minha ordem de preferência para Melhor Filme:
A Árvore da Vida
O Artista
A Invenção de Hugo
Os Descendentes
Moneyball - Jogada de Risco
As Serviçais
Cavalo de Guerra
* não vi ainda Meia-Noite em Paris (eu sei, falha minha) nem Extremamente Alto, Incrivelmente Perto (que só estreia para a semana). Escreverei sobre Cavalo de Guerra após a cerimónia, mas posso adiantar que me irritou profundamente.
MELHOR FILME
Vai ganhar: O Artista. Tem limpo tudo o que é prémio e terá aqui a consagração final.
Devia ganhar: A Árvore da Vida. Seria o Oscar mais bem dado desde... sei lá! Mas é impossível e até fica bem entregue a O Artista.
MELHOR REALIZAÇÃO
Vai ganhar: Michel Hazanavicius (O Artista)
Devia ganhar: Terence Malick (A Árvore da Vida). Ler acima.
MELHOR ATOR
Vai ganhar: Jean Dujardin (O Artista)
Devia ganhar: só Clooney pode destronar o francês, mas duvido. A surpresa pode ser Gary Oldman por A Toupeira (e bem).
MELHOR ATRIZ
Vai ganhar: Meryl Streep (A Dama de Ferro). Por que está na hora do terceiro prémio.
Devia ganhar: luta acirrada entre Streep e Viola Davis, duas interpretações muito acima do valor da obra em que se inserem. Por mim, força Meryl!
MELHOR ATOR SECUNDÁRIO
Vai ganhar: Christopher Plummer (Assim é o Amor)
Devia ganhar: Plummer, não só por este filme, mas toda uma carreira que não merecia um esquecimento tardio da Academia.
MELHOR ATRIZ SECUNDÁRIA
Vai ganhar: Octavia Spencer (As Serviçais)
Devia ganhar: não que Spencer esteja mal, mas não era caso para tanto. Votaria em Jessica Chastain caso esta fosse nomeada por A Árvore da Vida e não por As Serviçais ou até Melissa McCarthy (tenho especial carinho por Bridesmaids).
MELHOR ARGUMENTO ORIGINAL
Vai ganhar: O Artista
Devia ganhar: só Meia-Noite em Paris pode contornar o favoritismo nesta equilibrada categoria, representada por bons filmes (já disse que adorei Bridesmaids?).
MELHOR ARGUMENTO ADAPTADO
Vai ganhar: Os Descendentes
Devia ganhar: Nos Idos de Março
MELHOR FILME LÍNGUA NÃO-INGLESA
Vai ganhar: Uma Separação
Devia ganhar: aqui parece não haver grande discussão (ainda não vi nenhum dos nomeados) visto que o filme iraniano é o favorito absoluto.
MELHOR FILME DE ANIMAÇÃO
Vai ganhar: Rango
Devia ganhar: surpresa positiva pela ausência de Tintin (cotadíssimo para ser nomeado) e num ano em que a Pixar fez greve, a vitória só pode merecidamente ser de Rango.
MELHOR DIREÇÃO ARTÍSTICA
Vai ganhar: A Invenção de Hugo
Devia ganhar: A Invenção de Hugo
MELHOR FOTOGRAFIA
Vai ganhar: categoria complicada: entre A Invenção de Hugo, O Artista e Árvore da Vida, aposto em... Hugo.
Devia ganhar: A Árvore da Vida
MELHOR MONTAGEM
Vai ganhar: O Artista
Devia ganhar: O Artista
MELHOR BANDA SONORA
Vai ganhar: O Artista
Devia ganhar: O Artista
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
Vai ganhar: Man or Muppet (Os Marretas)
Devia ganhar: entre esta e uma co-escrita por Carlinhos Brown, venha daí um prémio para as marionetas.
MELHOR GUARDA-ROUPA
Vai ganhar: A Invenção de Hugo
Devia ganhar: A Invenção de Hugo
MELHOR CARACTERIZAÇÃO
Vai ganhar: A Dama de Ferro
Devia ganhar: Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 2
MELHOR MISTURA DE SOM
Vai ganhar: A Invenção de Hugo
Devia ganhar: A Invenção de Hugo
MELHOR MONTAGEM DE SOM
Vai ganhar: A Invenção de Hugo
Devia ganhar: A Invenção de Hugo
MELHORES EFEITOS VISUAIS
Vai ganhar: Planeta dos Macacos: A Origem
Devia ganhar: Planeta dos Macacos: A Origem
MELHOR DOCUMENTÁRIO
Vai ganhar: Paradise Lost 3
Devia ganhar: não vi nenhum, mas Paradise Lost 3 completa uma trilogia mediática e elogiada em todo o lado. Não desprezar, porém, Pina de Wim Wenders.
MELHOR DOCUMENTÁRIO (curta-metragem)
Não vi nenhum dos nomeados
MELHOR CURTA-METRAGEM
Não vi nenhum dos nomeados
MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO
Não vi nenhum dos nomeados
Hugo (2011)
Realização: Martin Scorsese
Argumento: John Logan
Elenco: Asa Butterfield, Chlöe Grace Moretz, Ben Kingsley, Sasha Baron Cohen, Jude Law, Christopher Lee
Qualidade da banha:
Não deixa de ser curioso que dois dos grandes candidatos aos Oscars este ano abordem temáticas que remetam para os primórdios do Cinema, numa evocação de nostalgia que embala o espectador – mas, ao contrário deO Artista, esta curiosidade praticamente se torna numa bem-vinda ironia quando Scorsese abraça as mais recentes tecnologias para nos levar por uma viagem pelo fenómeno de popularização da Sétima Arte quando esta era ela própria... a mais recente tecnologia.
Escrito por John Logan a partir do livro de Brian Selznick, a história acompanha o órfão Hugo (Butterfield), que, vivendo numa estação ferroviária de Paris, tenta juntar peças a fim de reconstruir um autómato encontrado pelo seu pai (Law). Certo dia, Hugo é surpreendido pelo dono de uma loja de brinquedos ao tentar roubar mais um objeto para seu projeto e acaba por trabalhar para o sujeito ou será entregue ao ameaçador inspetor da estação, Gustave (Cohen). Tornando-se amigo de Isabelle (Moretz), filha adotiva do lojista, o rapaz acaba por descobrir que o seu patrão é Georges Méliès (Kingsley), esquecido realizador do icónico A Viagem à Lua e possível inventor do objeto descoberto pelo seu pai.
Com um tom de fábula mais do que apropriado à narrativa, A Invenção de Hugo situa a sua ação numa Paris fantasiosa, mas não irrealista: a estação de comboios é intensamente banhada por luz, a biblioteca está exageradamente apinhada de livros e os mecanismos dos relógios aparentemente não têm fim, mas estes cenários, mediante um design de produção e efeitos visuais impecáveis, nunca deixam de soar funcionais e harmoniosos – e Scorsese, um amante de planos-sequência, não hesita em empregá-los para acompanhar Hugo nas suas deambulações pelas entranhas da estação, sendo ainda beneficiado por um (finalmente!) trabalho em 3D memorável, já que a profundidade do campo visual é potenciada ao máximo e dando-se ao luxo de brincar com a tecnologia, como no momento em Gustave ameaça as crianças e a sua cabeça quase "salta" do ecrã.
Mas é a partir do momento em que a identidade do lojista é revelada que A Invenção de Hugo revela a sua ambição: Méliès já era um ilusionista reputado quando se deparou com o cinematógrafo dos irmãos Lumière e percebeu que poderia aplicar os seus truques para aperfeiçoar a técnica cinematográfica e contar histórias que desafiassem a imaginação do público. Tal como o Cinema, Hugo sofre uma trajetória emocional semelhante: limitado ao que via à distância no seu quotidiano (assim como os primeiros filmes traziam eventos prosaicos), ele logo é atirado para situações que remetem à aventura e que, de certa forma, refletem obras do primeiros anos da Sétima Arte (o incidente do comboio e o instante em que Hugo se pendura no ponteiro de um enorme relógio).
Noutras ocasiões, Scorsese faz uma recriação literal das produções de Mèliés e, mais uma vez, o efeito 3D é inteligentemente usado para traçar um paralelo entre a imersão que se busca atualmente e aquela que o pioneiro dos efeitos visuais almejava há mais de um século, como no brilhante momento no qual a câmara se afasta e vemos um aquário em grande plano e o cenário ao fundo, dando a ilusão de ambiente subaquático). A grande lição de A Invenção de Hugo, porém, é a necessidade de preservação dos clássicos como parte importante da História – e a salvação do esquecimento absoluto a que Mèliés (ainda) é sujeito justifica-se pela celebração de um legado artístico incalculável para criar as bases pelas quais o Cinema evoluiu e amadureceu.
Apenas prejudicado por histórias paralelas que se alongam mais do que o necessário e personagens secundárias sem grande relevância, A Invenção de Hugo é uma carta de amor não só a uma técnica, mas também a todas as suas potencialidades limitadas à imaginação de cada um. Uma homenagem feita com a tecnologia de ponta de agora para quem tudo isto proporcionou no passado.
ALERTA DE SPOILER! Este post contém informações relevantes, pelo que é aconselhável que só leiam caso estejam a par da exibição norte-americana.
Fringe 4x13: A Better Human Being
Quando a quarta temporada de Fringe começou, levantei a teoria de que após o desaparecimento de Peter estaríamos a acompanhar uma versão ligeiramente alterada de tudo o que víramos antes, como se o universo tivesse "reparado" as falhas mediante a ausência de Peter e "apagado" os eventos diretamente relacionados a ele. Com o tempo, certas inconsistências foram aparecendo e o facto de David Robert Jones surgir vivinho da silva (quando Peter havia causado a sua morte) foi o culminar da ideia que este não se trata do Lado A, mas sim de um universo completamente novo onde Peter cai de paraquedas inexplicavelmente. Agora não tenho a certeza de nada e fico de pé atrás em avançar seja o que for.
O que é ótimo! Dá para perceber que os responsáveis pela série são hábeis em nos confundir a cada nova informação, mas sem deixar a perceção de que, mesmo a conta-gotas, estamos a caminhar para algum lugar (ainda que este seja difícil de precisar) e que a estrutura da temporada está a ser delineada aos poucos para depois poder ser vislumbrada como um todo (e a coesão narrativa de Fringe é nada menos que admirável e algo que eu não deixo de alardear).
Com Olivia a recuperar as memórias da outra Olivia, Walter sugere que Peter inconscientemente projeta nela as suas próprias memórias, vide as suas capacidades sensitivas. Só que nós sabemos mais do que eles: as injeções de cortexiphan podem ter aumentado os poderes agora adormecidos de Olivia e até potencia-los a limites nunca antes vistos. Não admira que Peter acabe por vê-la como a sua Olivia, como se esta substituísse a atual. Quando Walter está prestes a revelar uma nova teoria, o cientista tem um bloqueio mental, o que me fez desconfiar na hora: será que as alterações poderão não ter sido espaciais e temporais, mas sim mentais? Uma espécie de lavagem cerebral levada a cabo pelos Observadores? Isto seria um pouco forçado, é certo, mas já acho tudo possível.
O caso da semana, como já é hábito, tem muito a ver com as personagens: um jovem internado por esquizofrenia tem acesso aos pensamentos de um grupo de assassinos e, com a investigação, descobre-se que eles são todos irmãos da parte do pai e os crimes eram cometidos para que o mundo não descobrisse a condição que eles partilhavam. Tive pena que o episódio não aprofundasse mais esta questão do "pensamento coletivo" (embora o seu funcionamento como uma colónia de abelhas seja intrigante), mas tudo foi perdoado ao ver que Lincoln e Walter foram capazes de desmascarar Nina Sharp e, logo de seguida, vemos a verdadeira Nina em cativeiro com uma Olivia acabada de ser raptada, provavelmente pela equipa de Jones e que a diretora da Massive Dynamic terá sido substituída por um metamorfo.
ALERTA DE SPOILER! Este post contém informações relevantes, pelo que é aconselhável que só leiam caso estejam a par da exibição norte-americana.
Fringe 4x12: Welcome to Westfield
Um episódio que faria Fox Mulder e Dana Scully incharem de orgulho. Se dizem que Fringe é influenciado por Ficheiros Secretos (e eu digo), nada melhor do que ver a série abraçar essa influência de maneira inventiva e – por que não? – carinhosa. Não se passou grande coisa, mas quando acabou fiquei a pensar "o quê?! Já?!".
História isolada que se conecta a mitologia da série de forma superficial, este capítulo traz Olivia, Peter e Walter "presos" numa pequena localidade que experiencia uma espécie de fusão com a sua contraparte do outro Lado. Os habitantes unificam em si aspetos distintos de ambos os universos, como memórias, traços físicos e até o dobro do ADN - o que, invariavelmente, os levará à morte bem como a cidade inteira entra em colapso visto que, diz-nos a Física, dois objetos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Bem que o episódio nos tentou convencer que Olivia sofria do mesmo mal da população, embora aquele sonho inicial com Peter tenha sido de estranhar.
E assim foi: aquela Olivia começou, aparentemente, a partilhar memórias da nossa Olivia, aquela que Peter conhece e ama. Partilhar ou manifestar? É que dizem por aí que isto do Lado C e D é uma treta, que estamos a acompanhar os usuais A e B alterados. Que Peter não tem de voltar para lado nenhum; ele está onde deveria estar! Por enquanto, sigo o meu instinto e vou pela opinião que tenho defendido nas últimas semanas: Peter surgiu, sabe-se lá como ou porquê, num universo distinto daquele que víramos por três anos e tem de voltar para casa. Há muita coisa para ser respondida e explicada, é verdade, mas ainda sigo por esta via, apesar da aproximação de Walter a Peter (o cientista ultrapassou a sua agorafobia), que pode resultar de uma ligação intíma e natural entre o pai e o seu filho, e estas "recaídas" de Olivia que, por outro lado, podem ser fruto das injeções ministradas por Nina ou, quem sabe, do sentimento que a une/unia a Peter. Ou então tudo isto ao mesmo tempo.
The Iron Lady (2011)
Realização: Phyllida Lloyd
Argumento: Abi Morgan
Elenco: Meryl Streep, Jim Broadbent, Alexandra Roach, Anthony Head, Olivia Coldman, Richard E. Grant
Qualidade da banha:
Numa das melhores cenas de A Dama de Ferro, uma envelhecida Margaret Tatcher (Streep) reclama com o seu médico sobre a perceção de que o mundo atual preza mais o sentimentalismo do que atitudes firmes e ponderadas – um momento que nos permite vislumbrar as motivações da antiga primeira-ministra do Reino Unido e percebemos que, nem no crepúsculo da sua vida, Tatcher não se arrepende de certas políticas por fazer o que achava correto. Pena que cenas assim sejam tão poucas e estejam tão dispersas ao longo do filme e mesmo a dissertação da protagonista sobre o ato de "pensar" não possa aplicar-se à realizadora Phyllida Lloyd e à argumentista Abi Morgan.
Biografia da mulher que comandou os rumos do Reino Unido ao longo de 11 anos, A Dama de Ferro peca por ser apenas uma coletânea dos "melhores momentos" costurados sem a mínima elegância ou relação entre si: vemos a jovem Tatcher (Roach) como a humilde filha de um merceeiro e a sua filiação no Partido Conservador (onde era olhada com desdém), acompanhamos a sua candidatura e eleição para o cargo-mor em Downing Street, o braço de ferro com os sindicatos, a Guerra das Malvinas e o volte-face dos seus colegas partidários que levou à sua resignação – uma narrativa naturalmente episódica que Lloyd e Morgan não conseguem contornar. Para piorar, o filme perde um tempo precioso com longas conversas entre uma quase demente Tatcher e o falecido marido (Broadbent) sem que estas tragam algo relevante e até as divagações pelas suas memórias é feito de maneira canhestra (para introduzir o conflito com a Argentina, Tatcher é surpreendida por... uma pequena escultura de um soldado!).
Não que A Dama de Ferro fosse obrigado a tomar uma posição em relação a Tatcher, mas isso não justifica a apatia que permeia o filme. Conservadora até ao tutano e com espírito trabalhador, Tatcher era uma mulher implacável que pouco ou nada vacilava frente às adversidades, mas aqueles que não conheceram os seus feitos ou não têm uma opinião formada não encontrarão aqui razões que os levem a conhecer a fundo a personalidade da antiga ministra: umas vezes, o filme contrasta a sua imagem colorida e feminina num meio machista (como um corpo estranho àquele ambiente), mas sem retratar que ela provavelmente inspirou outras mulheres a seguir carreira política (ela está sempre rodeada de homens); noutras ocasiões, Tatcher é pintada como um ser mesquinho sem ideias próprias, dando a impressão que as suas ressalvas quanto à emergente União Europeia e a defesa do imposto comunitário (fatores que levaram à sua decadência) são fruto de pura teimosia.
Dona de uma carreira impar e de um talento capaz de elevar obras fadadas ao esquecimento como O Diabo Veste Prada e Julie e Julia, Meryl Streep é mesmo o destaque da produção, ainda que os seus esforços não consigam salvar A Dama de Ferro da mediocridade. A sua atuação é estupenda: vai aos mínimos detalhes como a voz e os maneirismos de Tatcher, mas ultrapassa a caricatura ao dar-nos uma mulher imponente, plenamente capaz de ocupar um cargo de tamanha responsabilidade mesmo que trave uma batalha constante para provar o seu valor perante os seus colaboradores, o povo que a elegeu e até a sua família, que ressente a sua posição (um tópico mal explorado pelo argumento). Streep não só encandeia aqueles que a acompanham (até o excelente Jim Broadbent é ofuscado) como também o próprio filme acaba por empalidecer diante da veterana atriz, visto que não está à altura de tamanho trabalho de precisão e brilho da sua protagonista.
Encerrando-se desajeitadamente com uma rima dramática fútil e preconceituosa (Tatcher seria uma pessoa melhor na cozinha), A Dama de Ferro funciona como uma colagem mal feita de eventos significativos que não encontram reflexo na vida privada de uma idosa Tatcher, num esforço inglório para dar relevância e emoção a uma narrativa inerte que se assemelha a um sensaborão relato de uma página da História.
Pelos vistos a Wikipédia agora produz filmes.
ALERTA DE SPOILER! Este post contém informações relevantes, pelo que é aconselhável que só leiam caso estejam a par da exibição norte-americana.
Fringe 4x11: Making Angels
Interessante o caso da semana: Neil, um assassino capaz de vislumbrar passado, presente e futuro, convicto da sua missão de interromper vidas alheias condenadas à morte e o sofrimento de terceiros. Isto na sequência de um acidente de viação que vitimou o seu pai e irmão e que lançou a sua vida no caos e no remorso: é na sua demanda de contornos divinos que ele procura algum tipo de redenção para a sua existência. Um detalhe que pode ter escapado a muitos é que a sua condição aproxima-se das dos Observadores que, além de resgatarem um dispositivo que Setembro havia "deixado" no Lago Reiden (onde Peter morreu e, posteriormente, "voltou"), talvez o considerem como uma ameaça, visto que um simples ser humano conseguiu ascender às suas posições e, de certa forma, obter os mesmos poderes (capacidade de ver e alterar eventos).
Melhor do que isto, porém, só mesmo o desenvolvimento das personagens e Astrid tem aqui mais tempo de antena com a visita da sua contraparte que, amargurada pela morte do pai distante, resolve atravessar para o outro Lado para saber como lidar com a situação. Ao mesmo tempo, a Astrid Alternativa ganha a simpatia de Walter e faz-lhe a indagação mais lógica e, paradoxalmente, improvável: por que este não aceita "este" Peter como o seu filho perdido e permite-se amá-lo. Engraçada a interação de ambos os universos no laboratório de Walter: o desconforto de Olivia pela presença e vivacidade de Altivia, a reação inicial e a consequente compaixão de Astrid pela sua versão alternativa, Walter a ver Peter a tomar o seu lugar como parte ativa da investigação.
Voltando aos Observadores, o episódio descortinou alguns pontos importantes: o que são ou quem são estes seres? O próximo estágio da evolução humana? Divindades? Quais as suas motivações? O que farão estes agora que sabem onde Peter está? Ajudá-lo-ão? Ou tentarão consertar tudo da pior maneira para o nosso protagonista?
The Artist (2011)
Realização: Michel Hazanavicius
Argumento: Michel Hazanavicius
Elenco: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, Missi Pyle, Penelope Ann Miller
Qualidade da banha:
Homenagem sincera a uma maneira extinta de se fazer Cinema ou simples réplica dos filmes mudos dos anos 20, o certo é que O Artista é uma obra corajosa: apresentado em preto e branco, praticamente sem diálogos e sons diegéticos (orgânicos à narrativa) e com uma equipa relativamente desconhecida, até custa a acreditar que um dos filmes mais badalados da temporada reúna estas condições. O que outros poderiam encarar como limitações, o realizador Michel Hazanavicius usa-as a seu favor para criar uma experiência envolvente, nostálgica e única. Mais do que isso: um memorável esforço artístico.
George Valentin (Dujardin) é uma estrela cinematográfica que tem tudo: sucesso, fama, milhões de fãs, um motorista fiel (Cromwell), a confiança do estúdio, uma esposa mimada (Miller) e um cão que é o seu companheiro dentro e fora dos ecrãs (o adorável Uggie). Certo dia, Valentin cruza-se com a jovem e bela Peppy Miller (Bejo) que tenta a sua sorte em Hollywood e o ator, claramente fascinado por ela, acaba por lhe servir como rampa de lançamento. Pouco depois, o som revoluciona a indústria e Valentin vê a sua carreira desmoronar enquanto Peppy dispara rumo ao estrelato.
Obviamente inspirado por Assim Nasce Uma Estrela (a queda de um mito e a ascensão da sua "protegida") e pelo maravilhoso Serenata à Chuva (a transição do cinema mudo para o sonoro), O Artista incorpora vários elementos da época em questão: a proporção do ecrã é a chamada "janela clássica" (1.33:1); a evocativa banda sonora serve para pontuar a narrativa; as transições de cenas são feitas com recursos típicos da altura (fades, transição em íris, ...); vários close-ups das caras dos atores; a iluminação e a fotografia remetem para a Hollywood dos anos 20 com eficiência (embora o filme tenha sido gravado a cores). Mesmo os entretítulos usados para os diálogos são utilizados com inteligência para que apareçam o mínimo possível e informando apenas o essencial – cabe pois ao elenco a tarefa de transmitir tudo o que se passa no ecrã.
Tarefa esta aparentemente simples, mas acreditem que não é. Caracterizado por intérpretes que faziam "caretas", o cinema mudo valia-se do exagero das expressões e dos movimentos digno do Teatro, visto que esta era a única forma de comunicar emoções à plateia. Hazanavicius inicia O Artista com a apresentação do filme mais recente de Valentin, numa boa opção que prepara o espectador para o que virá a seguir, mas o realizador também percebe que o público atual está condicionado por décadas e décadas de Cinema onde o excesso de outrora já não tem lugar – e como a história acompanha as personagens "fora dos ecrãs", as suas composições não podem cair neste erro, o que sem o auxílio do som e com poucos diálogos, não é nada fácil.
Desta forma, a linguagem corporal dos atores assume um papel fulcral que, mal trabalhada, arruinaria tudo. Felizmente, Jean Dujardin e Bérénice Bejo exibem uma química exemplar e fazem um par notável. Ele capta a aura que rodeava os galãs da época, bem como o carisma e a canastrice de um Rudolph Valentino, mas também comove com a sua decadência e conquista a nossa admiração pelo seu espírito lutador, além de ter um timing cómico impecável. A atriz, por outro lado, faz um autêntico milagre: linda e graciosa, Peppy rapidamente desperta a nossa atenção e torcemos pelo seu sucesso – e ainda que pudesse tornar-se numa pessoa egoísta e detestável devido a fama recém-conquistada (ela refere-se a romances pontuais como "brinquedos"), ela mostra uma genuína preocupação em não renegar as suas origens e em quem a inspirou.
Mas é Hazanavicius que, em última instância, é o responsável máximo por fazer todos estes elementos funcionarem na perfeição e que, à parte da previsível história amorosa de ascensão e queda, vai ao baú do Cinema para nos relembrar de uma lição vastas vezes esquecida: não adiantam elaborados e dispendiosos recursos à disposição se o espectador não for capaz de se comprometer emocionalmente com o que se passa no ecrã. Mesmo que a história seja apresentada a preto e branco, sem som e com desconhecidos. Pormenores técnicos, dirão alguns, mas O Artista funciona magistralmente por que estes trabalham em conjunto para um objetivo comum: divertir o público.
Não é para isto que serve a Sétima Arte, afinal?
The Muppets (2011)
Realização: James Bobin
Argumento: Jason Segel, Nicholas Stoller
Elenco: Jason Segel, Amy Adams, Chris Cooper, Rashida Jones, Jack Black
Vozes: Steve Whitmire, Eric Jacobson, Dave Goelz, Bill Barretta, Matt Vogel, Peter Linz
Qualidade da banha:
É provável que as gerações mais novas não se lembrem dos Marretas, criação de Jim Henson e sucesso nos anos 70 e 80. Mesmo eu, do alto dos meus 26 anos, tenho vagas recordações do programa de televisão e das esporádicas longas-metragens que chegavam por cá (uma curiosidade que acabou por ser saciada graças às maravilhas da Internet). Longe dos ecrãs desde 1999, os Marretas voltam em grande estilo numa comédia capaz de cativar não só adultos que embarcarão nesta aventura por pura nostalgia, mas também os mais novos que têm aqui a oportunidade de (re)descobrir tudo aquilo que os fez (e faz) famosos.
Escrito pelo ator Jason Segel ao lado do argumentista/realizador Nicholas Stoller, Os Marretas segue Walter (voz de Peter Linz), um fantoche que vive com Gary (Segel), o seu irmão humano, na pequena cidade de Smalltown. Desde que se conhecem que são grandes admiradores dos Marretas, que ambos sentem ser uma espécie de alter-egos de si próprios. Os dois, juntamente com Mary (Adams), namorada de Gary, viajam para Los Angeles a fim de visitar o estúdio que albergava a produção do programa televisivo, onde acabam por saber dos planos do vilão milionário Richman (Cooper), que pretende destruir o local para explorar petróleo. Alertado pelo trio, o sapo Cocas decide reunir os velhos amigos para um último espetáculo com o objetivo de arrecadar os dez milhões de dólares necessários para salvar o estúdio.
Apostando num humor leve e inocente, Os Marretas conquista o espectador com as suas tiradas depreciativas e metalinguísticas: para acelerar a narrativa, as personagens sugerem que se inclua uma montagem ou que se faça uma “viagem de mapa”, onde o trajeto é delineado por vários países até ao destino final (e a chegada do grupo a França é genial). É este humor desconcertante que faz jus à irreverência dos bonecos em piadas e trocadilhos vistos em momentos como aquele em que alguém questiona o orçamento da produção ou aquele em que uma executiva diz que vai ser “direta” e alguém, não gostando do que ouviu, responde que ela podia ser “mais curva”.
Recheado de participações especiais de gente conhecida (tal como na série televisiva) e referências à cultura pop, Os Marretas usa-as não só como mera curiosidade, mas também organicamente à história: o facto da secretária de Miss Piggy ser Emily Blunt, que fazia o mesmo trabalho para Meryl Streep em O Diabo Veste Prada, projeta imediatamente o carácter vaidoso e altivo da porquinha em relação aos demais. Por outro lado, o argumento traz uma reminiscência do bromance tão caro às películas de Judd Apatow (com quem Segel já trabalhou) na relação “fraternal” entre Gary e Walter e revela uma moral anticorporativista a favor da individualidade que só a mentalidade retrógrada da execrável FOX News podia condenar.
Ambientado num universo que mistura aspetos contemporâneos com outros saídos dos anos 50 (como a cidadezinha de Smalltown), Os Marretas ainda se dá ao luxo de ir na contramão de tudo o que é feito em Hollywood recentemente. Não há cá CGI e tentativas de modernizar os bonecos: planos fechados que descortinam apenas a parte de cima das marionetas, cujos movimentos soam adequadamente “falsos”, numa tentativa bem-sucedida de manter a técnica o mais artesanal possível e, por isso mesmo, charmosa e nostálgica. Além disso, os números musicais mantêm um equilíbrio notável entre o comovente e o ridículo, com o destaque a ir para Man or Muppet (nomeada ao Oscar), onde um ator de comédia conhecidíssimo (que não vou revelar) faz a contraparte de Walter na absoluta perfeição.
Beneficiado por um elenco notável (Chris Cooper surpreende por se entregar à comédia e Amy Adams é sempre uma graça) e por uma energia aparentemente inesgotável, Os Marretas insufla vida nova a uma franquia poeirenta e prova que Cocas, Piggy, Fozzie, Gonzo, Animal e companhia ainda têm lugar no panorama atual dos filmes para miúdos e, especialmente, graúdos. Afinal, ainda há muita música para tocar e muitas luzes para ligar.