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A infame Lei da Cópia Privada

por Antero, em 27.01.12

Imaginemos os seguintes cenários:

  • um amigo meu tem milhares de fotos de eventos da sua vida que pretende organizar, bem como digitalizar fotos antigas sobre os seus antepassados. Tem a ideia de comprar um disco externo só para as fotografias e armazenar lá todos os seus álbuns.
  • uma empresa especializada em trabalhos de animação 3D pretende implementar um arquivo profissional com todos os seus projetos acabados. Este arquivo passar por adquirir um disco de 2 TB para cada mês, totalizando 12 discos ao final de um ano.
  • o meu primo faz o download da discografia dos Queen, dos U2 e dos Rolling Stones via iTunes e decide passar para um leitor de MP3 para ouvir sempre que quiser.

Bem, de acordo com o Projeto de Lei 118, a reformulação que querem fazer à Lei da Cópia Privada vigente, os suportes de armazenamento digitais terão uma taxa extra por cada GB. A desculpa? Direitos de autor. É a forma arranjada para compensar os titulares dos direitos por eventuais casos de pirataria – que, como sabemos, tornou-se prática corrente. É mesmo assim: parte-se do princípio que somos todos culpados e vamos fazer asneiras, o que não só é uma ação de má-fé como também me cheira que seja inconstitucional.

Mas voltemos aos exemplos de cima:

  • o meu amigo vai adquirir um disco para guardar fotografias que são da sua autoria ou, a bem dizer, das quais é dono. Não há cá autores para serem ressarciados.
  • a empresa quer organizar os próprios trabalhos. Será que têm desconto nos discos?
  • o meu primo vai pagar a mais para usufruir de algo que já pagou, visto que ao recorrer ao iTunes ele já paga o montante considerado adequado pelas músicas e que isto inclui os famigerados direitos de autor.

É neste ponto que a porca torce o rabo. Quem é a entidade responsável pelo ressarcimento dos autores? É a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA). Vejam bem: Portuguesa. Vão compensar os autores estrangeiros? E quem não está registado (sim, é preciso registo) nas suas fileiras? Não é considerado autor? Se alguém copiar este texto na íntegra sem a minha autorização e fizer um audiobook contra este Projeto de Lei, posso recorrer a vocês? E como será feito o processo de compensação? Vão dividir por todos em parcelas iguais? Ou o Tony Carreira leva mais que os Deolinda?

É que se me pedem para pagar por algo que poderei vir a fazer, gostaria de ver mais transparência do outro lado.

Para acalmar o incêndio ateado na blogosfera e nas redes sociais nos últimos dias, a SPA lançou umdocumentoque explica porcamente os pressupostos da Projeto de Lei, chegando ao cúmulo de cometer argoladas como estabelecer um padrão de consumo sem mostrar um único estudo fiável que sustente as suas afirmações (o gráfico no final do ficheiro só pode ser piada); de afirmar que a taxa será cobrada ao fabricante sem que o consumidor saia lesado (como se vivêssemos no País das Maravilhas) ou declarar que equipamentos com maior capacidade venham ser inventados futuramente, provando que desconhecem em absoluto o material que pretendem taxar. Já para não falar que, se isto for avante, o risco das compras online em países com tarifas mais suaves aumenta em flecha. Até me admira as Associações Empresariais, a DECO, uma Fnac ou uma Worten ainda não terem mostrado as garras.

Compreendo a necessidade de preservar os direitos de autor e a justa compensação por eles. A pirataria está aí em força e as indústrias de entretenimento (com a fonográfica à cabeça) levam tareia de todos os quadrantes. E percebo a posição de certos autores em"subscrever"um abaixo-assinado, embora eu creia que muitos deles nem estão verdadeiramente inteirados sobre isto e estejam a ser mal aconselhados.

Não é a aprovar esta Lei abusiva, leviana e imbecil que se resolve a questão da pirataria. Sim, da pirataria, que isto relaciona-se com tudo menos com direitos de autor. Esta não é a melhor forma de lidar com ela, ainda mais com o lobby nojento da SPA e as suas desculpas esfarrapadas.

No entanto, o mais deprimente é que, na mesmanotícia, lemos que todos (TODOS!) os partidos representados na Assembleia da República deram feedback positivo ao Projeto de Lei. Para nos complicar ainda mais a vida, já sabem remar todos para o mesmo lado.

Ide mas é...

publicado às 02:03


1 comentário

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De Rui Costa a 28.01.2012 às 13:06

O surgimento desta proposta não me surpreende, de todo. O desrespeito pela liberdade individual e, sobretudo, pela propriedade privada há muito que se instalou na nossa sociedade. Isto é apenas uma das pontas do icebergue. Pena que não haja vontade generalizada para olhar para a sua base.

Roubo daqui a solução óbvia para este problema, numa sociedade que respeite a propriedade e iniciativa privada: http://blasfemias.net/2012/01/09/a-solucao-obvia/

"Entende-se por cópia privada a reprodução legítima de obras literárias e artísticas, e de “certas prestações protegidas”, para uso próprio. Ou seja, se alguém comprar um CD e o copiar as músicas para o seu iPod é cópia privada. Se alguém comprar um livro e fizer fotocópias de algumas páginas para um efeito qualquer, é cópia privada.
.
A lei pretende apenas ressarcir os autores por estes actos de cópia não remunerados. Não é uma lei anti-pirataria. A única coisa que os autores pretendem é a justa remuneração pela cópia que podemos ou não fazer aos produtos que compramos.
.
Ora, a grande solução é muito simples: no preço de cada CD ou livro vendido, incluam uma percentagem para permitir a cópia privada dessa obra de autor. Já está. Grande ideia."

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Antero Eduardo Monteiro. 30 anos. Residente em Espinho, Aveiro, Portugal, Europa, Terra, Sistema Solar, Via Láctea. De momento está desempregado, mas já trabalhou como Técnico de Multimédia (seja lá o que isso for...) fazendo uso do grau de licenciado em Novas Tecnologias da Comunicação pela Universidade de Aveiro. Gosta de cinema, séries, comics, dormir, de chatear os outros e de ser pouco chateado. O presente estaminé serve para falar de tudo e de mais alguma coisa. Insultos positivos são bem-vindos. E, desde já, obrigado pela visita e volte sempre!

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